Governo admite sanções mais pesadas para pacificar futebol

Ministro da Educação, com a tutela do desporto, diz que se o mundo do futebol e a sociedade assim o entenderem, o executivo vai agir
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O senhor tem igualmente a tutela do desporto, é consensual que fora dos relvados as coisas nem sequer estão a correr muito bem, clubes, presidente da Federação, árbitros, já pediram todos a intervenção do Governo. Está preocupado com este clima de tensão?

Estamos todos preocupados, necessariamente. O futebol é uma festa, o futebol é o desporto rei em Portugal, por tudo aquilo que nos provoca, por tudo aquilo que nos tem dado, a apologia do ódio não pode de todo dominar o futebol. O presidente da Federação Portuguesa de Futebol, alguém que nós todos identificamos como sendo um homem clarividente, lúcido, disse que há sinais de alarme e escreveu um artigo de opinião que espalhou bem - e digo este espalhar com positividade - pelos meios de comunicação diários, houve eco na rádio e nas televisões. O que eu acho é que este clima de crispação nos enfraquece. Nós temos falado, eu, o senhor secretário de estado da Juventude e Desporto, constantemente com a APAF, com a FPF, com a Liga de Clubes. Todos nós queremos uma Liga de Clubes forte, todos nós entendemos o papel da Federação, porque o Governo dá as competências do futebol e da organização das competições, a Liga tem de ter autonomia e, por outro lado, a Liga de Futebol Profissional organiza as competições de futebol profissionais.

Então como é que o Governo pode ajudar a ultrapassar este clima?

O Governo tem de, por um lado, ter formas de ir criando consensos e, por outro lado ir apelando de forma séria, porque neste momento é o que há que fazer, à contenção dos dirigentes, dos comentadores, dos órgãos de comunicação social. Basicamente há algo de que não nos podemos esquecer: o futebol é um espetáculo, agora, o futebol não pode ser, nunca pode ser, um reality show. Nós sabemos as vicissitudes que tem o futebol e este é um problema transnacional.

Acha que o problema é o excesso de programas que existe à volta do futebol?

Não. Não digo que esse excesso de programas não possa potenciar algum tipo de discurso de beligerância, isto é um pouco como - voltando agora à educação - a beligerância do Ministério da Educação com os seus atores nunca trouxe, até pelo contrário, nada de bom ao mundo da Educação. Aqui também não, a beligerância também nunca trará nada de bom.

O futebol tem problemas e tem problemas transnacionais. Dentro da UNESCO, dentro da União Europeia, no Comité Olímpico Internacional, já participei em várias discussões relacionadas com os problemas do futebol ser também uma das alavancas económico-financeiras a nível mundial de uma parte significativa de muitos dos negócios que temos. Negócios que vão desde o têxtil, até aos meios de comunicação social, ao turismo. O futebol engloba muitos interesses e, como eu disse, tem de continuar a preservar-se para poder ser efetivamente um espetáculo, mas para não se transformar num reality show. Porque o futebol tem outros problemas, como as apostas online, como o vulgarmente chamado, num anglicismo, o match fixing, a viciação de resultados online. O que nós temos de fazer é continuar a articular e fazer entre todos com que fenómenos extradesportivos de ódio, de crime, de organização criminosa estejam sempre fora do futebol e do desporto.

Para que o clima seja mais saudável defende que as penalizações que existem para dirigentes, para quem está no mundo do futebol, quando fazem esse apelo ao ódio, quando são excessivos nas críticas aos árbitros, etc., sejam mais fortes do que são hoje?

Esse é um caminho que estamos a fazer, no entendimento de quais são os instrumentos que nós temos de possuir entre todos para que possamos dar resposta a quem subverte. Esse é o caminho que estamos a fazer com os vários atores. Já tivemos outros momentos como este no mundo do futebol. Se bem se recordam, a viciação de resultados começou a ser entendida nos jogos da primeira liga e da segunda, como uma possibilidade, inclusivamente tivemos alguns casos que foram noticiados de envolvimento de jogadores e que estão a ser julgados. Foi entendido também, pela Federação Portuguesa de Futebol em conjugação com a Polícia Judiciária, com o entendimento dos vários partidos políticos na Assembleia da República, em articulação com o Governo, com o Ministério da Justiça, com o Ministério da Educação que tutela o desporto, com o Ministério da Administração Interna, que era preciso fazer algo e existe neste momento uma nova moldura penal. É este o caminho que se está a fazer. Muitas vezes os regimes sancionatórios ou penalizadores surgem porque há uma implicação formal, há necessidade de os criar. Neste momento nós temos uma realidade, é bom que essa realidade possa desaparecer.

O Governo tem dito isso à Federação e à Liga, que é preciso serem mais eficazes na penalização a quem ajuda a criar este ambiente?

O Governo tem, acima de tudo, ouvido a Liga e a Federação e confia nas estruturas da Federação e da Liga. Estamos a fazer caminho, sabemos também que há muitas novas exigências relativamente ao futebol português, este está nos focos do mundo, somos campeões da Europa, muitos dos nosso melhores jogadores são melhores jogadores em muitos dos campeonatos europeus com os quais nós nos queremos comparar; muitos dos bons treinadores que daqui saíram são dos melhores treinadores e isto acaba por trazer focos também para a Liga portuguesa e para as competições desportivas em Portugal. Temos de estar atentos e temos de vigiar, entendendo que o espetáculo deve continuar, mas que não podemos criar um meio de cultura que ponha em caso esse mesmo espetáculo.

Em sua opinião deve ou não deve haver uma penalização maior para quem se excede no modo como está nesse reality show à volta do futebol?

Eu acho que o reality show não tem lógica e as pessoas que insistirem em participar nele têm de entender que não o podem fazer. Esperamos todos que não haja necessidade de haver nenhum tipo de novo enquadramento penalizador. Se o mundo do futebol, a sociedade civil, entre todos entendermos que essa é a única forma para lá avançaremos, mas o caminho tem de se fazer entendendo que temos de ser profiláticos e não chegar a esse momento.

Senhor ministro, quando se fala em remodelações no Governo inevitavelmente o seu nome acaba por surgir, como é que explica isso?

Isso é porque quem acaba por trazer esse nome está suficientemente incomodado com as minhas ações. Eu era, muito provavelmente, uma carta fora do baralho quando era candidato a deputado, era uma carta fora do baralho e um erro de casting no dia em que fui para o Ministério da Educação, mas acabei por ser verdadeiramente complexo quando muitas das nossas ações acabaram por cimentar, na Educação, esta opção governativa e aí o erro de casting, pelo menos para os interesses dessas pessoas, acabava por se aprofundar e por cimentar também. Acima de tudo, muitos dos lóbis que essas pessoas acabam por respaldar são afetados também pela ação deste Ministério da Educação, principalmente numa conceção de sociedade que não é a minha, a da minha equipa e a deste Governo, acabam por entender que eu sou um erro de casting, acima de tudo para os seus interesses.

Mas relativamente a isso, a constituição do Governo é de inteira responsabilidade do senhor primeiro-ministro. Até agora tem sido um prazer. Todos sabemos, quando estamos nestas funções, que no primeiro dia em que entramos no Governo começa a contagem decrescente para um dia deixar de fazer parte dele. É assim que o vivemos, é assim que nos comprometemos, pondo em causa até, tantas vezes, a nossa saúde como se viu nessa semana e não estou a dizer que é uma implicação formal, mas a intensidade com que se vive, o ritmo com que se vive, o compromisso com que se vive...

Agora, verdadeiramente importante foi o que conseguimos construir para a Educação em Portugal e o grande momento de aferição do trabalho que estamos a fazer em cada visita que fazemos às escolas onde as comunidades educativas nos recebem, a mim e à minha equipa, com os braços abertos e com o entendimento de que estamos a trabalhar para que este serviço nacional de Educação em Portugal seja cada vez mais conseguido.

LEIA A PRIMEIRA PARTE DA ENTREVISTA

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