Dados recentes do Eurostat espelham uma realidade difícil de aceitar: Portugal é o quinto país da União Europeia em que mais pessoas têm dificuldade em manter a habitação confortável durante o inverno. O que significa isso para a saúde da nossa população?.Quando discutimos saúde, costumamos olhar para os hospitais. Esse é um erro comum, e que pudemos verificar recentemente quando do debate sobre a Lei de Bases da Saúde, que se resumiu a uma discussão sobre quem deve deter os hospitais em Portugal. No entanto, a saúde está em muitos aspetos da nossa sociedade, e é importante pensar as consequências de todas as políticas e de toda a governação para a saúde da nossa população. Em 2003, J. D. Healy publicou um estudo que mostrava que Portugal, apesar de ter o clima de inverno mais moderado entre os países analisados, era o país com maior excesso de mortalidade no período de inverno - 28% mais mortes no período de inverno, com a média dos países analisados a apresentar apenas um excesso de 16%. Fowler et al, em 2014, chegam a um resultado semelhante: 26%. Quer isto dizer que, apesar das boas condições climáticas, Portugal é um dos países da OCDE onde se passa mais frio. E isso mata..Estes autores avançam algumas possibilidades para explicar o aparente paradoxo melhor clima-maior mortalidade. Entre elas, a qualidade da construção das casas aliada à relevante percentagem de população incapaz de suportar os encargos financeiros do aquecimento das suas habitações. Voltamos, assim, aos dados do Eurostat: em Portugal, 20% da população é incapaz de suportar os encargos da manutenção de um ambiente confortável na sua habitação..Além da morte pelo frio, a pobreza das construções e das famílias leva a que sejam adotadas soluções enganadoras: em troca de algum conforto momentâneo, danos de longo prazo devido à inalação de gases poluentes, como o monóxido de carbono. Por vezes, chega-se mesmo a morrer do remédio encontrado: segundo notícia recente do Jornal de Notícias, morreram 19 portugueses devido a acidentes relacionados com o combate ao frio entre novembro de 2018 e janeiro de 2019 ..Note-se que este não é apenas um problema de inverno, embora aí as consequências sejam mais evidentes. Um estudo acabado de sair, da Coligação para o Direito à Energia, diz-nos que Portugal é também um dos países onde a população tem maior dificuldade em manter a casa fresca durante o verão, e onde vivem mais pessoas em casas com problemas de infiltrações. O resultado de tudo isto é um vergonhoso quarto lugar na lista dos países europeus com maior pobreza energética..Temos uma construção pobre e famílias incapazes de suportar o custo elevado que o conforto requer; como consequência, perdem-se vidas e aumentam-se os encargos do Serviço Nacional de Saúde. Este é um problema que devemos olhar do ponto de vista da saúde pública, e em cuja prevenção devemos investir. Com isso não ganhamos apenas conforto, como parecem sugerir os títulos que dão conta da divulgação dos dados do Eurostat. Na verdade, estamos a evitar mortes e a dar descanso a um SNS saturado..Investigador do Cintesis e cofundador do Fórum Diplomacia da Saúde
Dados recentes do Eurostat espelham uma realidade difícil de aceitar: Portugal é o quinto país da União Europeia em que mais pessoas têm dificuldade em manter a habitação confortável durante o inverno. O que significa isso para a saúde da nossa população?.Quando discutimos saúde, costumamos olhar para os hospitais. Esse é um erro comum, e que pudemos verificar recentemente quando do debate sobre a Lei de Bases da Saúde, que se resumiu a uma discussão sobre quem deve deter os hospitais em Portugal. No entanto, a saúde está em muitos aspetos da nossa sociedade, e é importante pensar as consequências de todas as políticas e de toda a governação para a saúde da nossa população. Em 2003, J. D. Healy publicou um estudo que mostrava que Portugal, apesar de ter o clima de inverno mais moderado entre os países analisados, era o país com maior excesso de mortalidade no período de inverno - 28% mais mortes no período de inverno, com a média dos países analisados a apresentar apenas um excesso de 16%. Fowler et al, em 2014, chegam a um resultado semelhante: 26%. Quer isto dizer que, apesar das boas condições climáticas, Portugal é um dos países da OCDE onde se passa mais frio. E isso mata..Estes autores avançam algumas possibilidades para explicar o aparente paradoxo melhor clima-maior mortalidade. Entre elas, a qualidade da construção das casas aliada à relevante percentagem de população incapaz de suportar os encargos financeiros do aquecimento das suas habitações. Voltamos, assim, aos dados do Eurostat: em Portugal, 20% da população é incapaz de suportar os encargos da manutenção de um ambiente confortável na sua habitação..Além da morte pelo frio, a pobreza das construções e das famílias leva a que sejam adotadas soluções enganadoras: em troca de algum conforto momentâneo, danos de longo prazo devido à inalação de gases poluentes, como o monóxido de carbono. Por vezes, chega-se mesmo a morrer do remédio encontrado: segundo notícia recente do Jornal de Notícias, morreram 19 portugueses devido a acidentes relacionados com o combate ao frio entre novembro de 2018 e janeiro de 2019 ..Note-se que este não é apenas um problema de inverno, embora aí as consequências sejam mais evidentes. Um estudo acabado de sair, da Coligação para o Direito à Energia, diz-nos que Portugal é também um dos países onde a população tem maior dificuldade em manter a casa fresca durante o verão, e onde vivem mais pessoas em casas com problemas de infiltrações. O resultado de tudo isto é um vergonhoso quarto lugar na lista dos países europeus com maior pobreza energética..Temos uma construção pobre e famílias incapazes de suportar o custo elevado que o conforto requer; como consequência, perdem-se vidas e aumentam-se os encargos do Serviço Nacional de Saúde. Este é um problema que devemos olhar do ponto de vista da saúde pública, e em cuja prevenção devemos investir. Com isso não ganhamos apenas conforto, como parecem sugerir os títulos que dão conta da divulgação dos dados do Eurostat. Na verdade, estamos a evitar mortes e a dar descanso a um SNS saturado..Investigador do Cintesis e cofundador do Fórum Diplomacia da Saúde