O fogo combate-se antes de começar a arder

Publicado a
Atualizado a

Desta vez, felizmente, não há o que apontar à resposta política. Sem ânsias de protagonismo e sem se meter no caminho de quem liderava e prosseguia as atividades de campo, sem interferir na comunicação que a outros competia fazer, o ministro da Administração Interna esteve diariamente no terreno, acompanhando de perto a evolução dos fogos e inteirando-se das suas causas e consequências, mantendo o país a par do que estava a ser feito, assumindo as suas responsabilidades e incentivando o escrutínio ao que correu bem e mal, não para sacudir culpas dos ombros, mas para que se possa aprender e fazer melhor. A correção, a integridade e o sentido de responsabilidade do novo MAI merecem destaque não porque cumpre as funções que lhe foram confiadas, mas pela diferença abissal que José Luís Carneiro representa, depois dos desastrosos anos de gestão de Cabrita, prolongados com o beneplácito e a declarada confiança de Costa.

Esta é, porém, a face que preferíamos não ver: a reação aos incêndios que se repetem, a sua maior ou menor gravidade apenas ditada pela sorte. E mudar essa equação significa focarmo-nos no que pode fazer a diferença, um tratamento adequado da floresta.

Acontece que Portugal tem um par de peculiaridades nesta área, sendo a principal delas que quem toma as decisões pouco pesca do assunto e faz orelhas moucas ao que dizem aqueles que sabem. Toma-se decisões por decreto baseado em achismo, a partir da capital, e o resultado está à vista.

Somam-se a isto outros ingredientes típicos nacionais, como a natureza privada da maior parte da floresta e o desinteresse estatal pela fatia que é pública, justificados em grande medida pela mesma lógica: cuidar da floresta é caro e trabalhoso; se não se tira dela proveito, financeiro ou outro, poucos estarão dispostos a usar tempo, força e dinheiro para a cuidar.

Há ainda o abandono do interior e do meio rural, num ciclo vicioso de degradação sucessiva - a falta de interesse dos decisores por quem lá está, afasta os poucos que lá restam, conforme se degradam as suas condições de vida, por falta de atenção política. Não é por umas meras centenas de euros que alguém prescinde de ter por perto cuidados de saúde, equipamentos escolares e culturais ou até uma rede de wi-fi decente. Ainda menos quando está sujeito a que um qualquer fulano-urbano determine as regras do meio rural, sem fazer ideia dos absurdos a que obriga quem vive no, e do, campo.

O fogo não se combate só quando arde o território, é sobretudo antes que a verdadeira luta se trava, na preparação, no cuidado, na garantia de que há sempre um olho atento - até para impedir os incêndios ateados por mão criminosa. Mas esse planeamento tem de ser feito estudando, ouvindo e agindo em conformidade com o que sabe quem vive a floresta nas suas múltiplas dimensões.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt