O fim trágico de um pioneiro da noite 'travesti' do Porto

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Para Gisberto há muito que ficara para trás o glamour das noites do Porto, onde desfilava clássicos como Marylin Monroe ou o musical Cats em casas como o Moinho de Vento, Bustus ou Sindicato, referências da noite gay. O brasileiro, de 45 anos (segundo o comunicado da PJ), foi um dos pioneiros do circuito travesti da cidade, mas "há muito que não se sabia dele", disse ao DN um elemento da comunidade travesti local.

Os últimos anos, Gisberto passou-os como sem-abrigo, entregue à droga, no piso subterrâneo de uma construção embargada pela Câmara do Porto, paredes meias com o também "abandonado" Central Shopping. Foi aí que Gisberto - nome pelo qual era conhecido no meio - foi encontrado já sem vida no fundo de um fosso com 15 metros, quarta-feira, com marcas de violentas agressões, alegadamente cometidas por um grupo de adolescentes.

Gisberto foi vítima de uma zona tão marcada pela prostituição - "trago aqui vários clientes por noite", conta o taxista José Cardoso - como pela crescente actividade de grupos delinquentes que elegem o Central Shopping como ponto de encontro. Como o DN pôde, de resto, testemunhar na tarde de ontem.

"Paulo" (nome fictício) pede tempo para acabar de fumar um charro antes de contar que "conhecia bem os putos que foram dentro". "Eram uns pretitos marados ali de um centro de correcção", descreve. "Metiam-se todas as noites com o desgraçado [travesti]". Paulo e os amigos concentram-se na loja de computadores à entrada do shopping, uma das poucas lojas ainda abertas num centro comercial a definhar. Enquanto conta que Gisberto "era um drogadito que dormia ali no parque", alguns dos colegas entretêm-se com o Strike Force, um simulador de acção. "É o jogo que eles mais gostam", diz o funcionário da loja.

A polícia é, inevitavelmente, uma presença habitual no local. "Já prenderam alguns deles", revela um segurança do shopping. "Há um ano isto estava mesmo mal e a polícia disse-nos que se nós não começássemos a proibir a entrada a alguns deles íamos perder o controlo disto", conta o responsável da loja de informática. "Agora, a maior parte não pode entrar aqui", resume.

Quem não tem forma de proibir a entrada dos grupos de delinquentes é o segurança do parque de estacionamento que a Câmara do Porto explora no edifício contíguo ao shop-ping, uma construção embargada há mais de 15 anos. "Eles entram por aí à vontade e se a gente lhes diz alguma coisa ainda se arrisca a levar com uma chuva de pedras em cima", diz, contando um episódio da semana passada: "Um dos que foram presos virou-se para mim e fez sinal de que me cortava o pescoço."

O piso zero do edifício funciona como parque de estacionamento das 08.00 às 24.00. "Depois fica entregue às prostitutas e travestis", conta o segurança Alcino Rocha. O fosso, com três metros cúbicos de água, para onde foi atirado o corpo, foi sinalizado e "estava vedado", segundo as conclusões de uma vistoria da câmara em Janeiro último. Ontem não havia qualquer sinal de vedação.

* Com Marcos Cruz

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