O fim do nuclear na Alemanha

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Aconteceu! O farol da economia europeia, considerado o seu motor industrial e também o mais voraz no consumo de energia, despediu-se da energia nuclear. Ontem, a Alemanha desligou as suas três últimas centrais produtoras de eletricidade, localizadas na Baixa Saxónia, em Baden-Württemberg e na Baviera. Enquanto uns exultam com o acontecimento, outros apelidam a decisão de precipitada e pouco racional. Em que ficamos, então? Vale a pena desmembrar esta pergunta em várias outras.

Este descomissionamento acontece em momento oportuno? Para responder, é preciso recuar até 2000, ano em que foi decidido o abandono progressivo da tecnologia nuclear. Na altura, a coligação que governava a Alemanha era de centro-esquerda. Essa decisão foi revisitada nas últimas duas décadas e mantida por governos de centro-direita, o que significa que, do ponto de vista político, é muito sólida e ponderada. Com a guerra da Ucrânia e a interrupção do fornecimento do gás natural russo, há quem diga que a Alemanha deveria ser mais prudente. Porém, este argumento cai pela simples razão de que a eletricidade produzida nas três centrais agora desligadas valia menos do que 6% do consumo no país.

Havia um risco de acidente nuclear na Alemanha? Esta pergunta remete para os protestos antinucleares que se iniciaram na década de 70 do século passado, assentes na convicção de que a tecnologia não era segura. O argumento ganhou grande fôlego com os acidentes de 1979 em Three Mile Island, nos Estados Unidos; de 1986 em Chernobyl, na Ucrânia (União Soviética, à data); e de 2011 em Fukushima, no Japão. Os reatores alemães ontem desligados eram dos mais seguros da atualidade, com uma idade média de apenas 35 anos, o que compara, por exemplo, com o tempo de vida planeado de 60 anos dos reatores franceses. Ainda assim, conhecendo-se o "caos" da rede de centrais nucleares francesas, é justo afirmar que a Alemanha estava longe de constituir um problema em matéria de segurança.

A decisão vai aumentar ou reduzir as emissões de gases de efeito de estufa? Esta é uma questão complexa. Com as dificuldades acrescidas de fornecimento de gás natural para a produção de eletricidade, é de esperar que maiores exigências de consumo sejam satisfeitas através da produção em centrais a carvão, o que necessariamente traz emissões acrescidas de CO2. Ainda assim, vale de novo o argumento de que estas três centrais pouco representavam no mix energético alemão. Por outro lado, a chegada em força de energias renováveis pode atenuar, e muito, o recurso ao carvão bem como as suas emissões, o que nos remete para a última questão.

A decisão é custo-eficaz? Nunca é fácil contabilizar todos os custos envolvidos na produção, armazenamento, transporte e distribuição de uma dada forma de energia, por dificuldade em incorporar todas as externalidades. Todavia, sabe-se hoje que o custo de produção por quilowatt-hora de eletricidade a partir de fontes renováveis é já de um terço - no caso da eólica e solar fotovoltaica - quando comparada com a nuclear. E vai reduzir ainda mais.

Dito isto, voltamos à questão inicial. Em que ficamos? A decisão da Alemanha parece ser racional e apostar muito nos méritos das energias renováveis como alternativa, que, como se sabe, se debatem ainda com o tema do armazenamento e da despachabilidade. Uma coisa é certa: com este passo da Alemanha, nada ficará como antes.

Professor catedrático

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