O fim da era Bolt e mais nove razões para não perder os Mundiais
À partida já se sente um certo travo a nostalgia. Londres acolhe, a partir das 19.00 de hoje e até dia 13, os Mundiais de atletismo: 2038 atletas, de 205 países, discutem os títulos de 48 disciplinas (pela primeira vez com paridade entre homens e mulheres). Ao público - que deve bater recordes de assistência da prova, no Estádio Olímpico londrino - interessa sobretudo o adeus de Usain Bolt. Todavia, há outras despedidas em perspetiva e muitas estrelas em ascensão. Hoje, David Lima (100 metros) e Marta Pen Freitas (1500 metros) são os primeiros portugueses - de uma comitiva de 20 - a entrar em competição.
Farewell, Mr. Bolt - a despedida de uma lenda
› Passou como um relâmpago pelas pistas de atletismo ao longo dos últimos dez anos. Um relâmpago sorridente, descontraído e imperturbável, que repetiu as suas descargas elétricas uma e outra vez, de forma insuperável, em quase todas as finais de grandes competições. No entanto, a carga do relâmpago Usain Bolt está a esgotar-se. E o atleta jamaicano, de 30 anos, quer despedir-se em alta, conservando a aura de imbatibilidade que exibiu ao longo de toda a carreira - de tricampeão olímpico de 100 e 200 metros, bicampeão de 4x100 metros (perdeu o tri devido a desqualificação de um colega, por doping, relativo a Pequim 2008) e onze vezes medalhado de ouro em Mundiais, nas três disciplinas. A despedida da maior lenda do atletismo no século XXI, o homem que pulverizou os recordes mundiais de 100 e 200 metros (9,58 e 19,19 segundos, respetivamente) e marcou uma era na modalidade vai acontecer nos Mundiais de Londres, nas provas de 100 e 4x100 metros (abdicando, desta vez, dos 200). O momento "farewell, Mr. Bolt"" está guardado para sábado 12, às 21.50, na final da estafeta 4x100 metros (desde que a Jamaica se apure). No entanto, o adeus mais significativo acontece já amanhã na decisão dos 100 metros, pelas 21.45 (se não houver imprevistos nas eliminatórias, com início hoje). Lightning Bolt parte com o quinto melhor tempo entre os inscritos (9,95, a 13 centésimos do estado--unidense Chris Coleman), mas já está habituado a pulverizar os seus registos na hora da verdade: foi assim, rápido como um raio, que construi a sua lenda.
EUA ameaçam liderança queniana no medalheiro
› Foi um espanto com o seu quê de irrepetível. Há dois anos, o Quénia surpreendeu ao ganhar sete medalhas de ouro (16 no total) e terminar no topo do medalheiro dos Mundiais de Pequim - pondo fim à hegemonia dos EUA, que durava desde 2005. Contudo, em Londres (transmissão televisiva na Eurosport, a partir das 19.00 de hoje), os norte-americanos partem com claro favoritismo para reconquistar a liderança, perante uns quenianos acossados por acusações de doping e enfraquecidos por ausências de vulto como a de David Rudisha (bicampeão olímpico de 800 metros). A prova masculina de 3000 metros obstáculos (final quarta-feira, às 21.00), ganha nas últimas 13 edições por atletas nascidos no Quénia, pode simbolizar bem a passagem do testemunho: o estado-unidense Evan Jager é o grande candidato ao ouro.
Mo Farah: o adeus às pistas de outro papa-títulos
› Não é uma despedida emblemática como a de Usain Bolt, mas é o adeus (apenas às pistas) de outro papa-títulos que marcou uma era no atletismo. Desde que ficou em segundo lugar nos 10 000 metros, em Daegu 2011, o britânico Mo Farah não voltou a falhar um título num grande evento: é tricampeão mundial de 5000 metros, bicampeão mundial de 10 000 e bicampeão olímpico de ambas as distâncias. Mas, chegado aos 34 anos, o atleta nascido na Somália prefere lançar-se para outros voos, apenas nas provas de estrada. O Estádio Olímpico de Londres, que consagrou Farah em 2012, marcará também a sua despedida dos grandes palcos (mesmo que ainda vá participar em, pelo menos, mais dois meetings da Liga Diamante): hoje (21.20) estará na final dos 10 000 metros, e no sábado 12 (20.20) deverá alinhar na dos 5000.
A prova de vida da Etiópia na longa distância
› A Etiópia, uma das maiores potências da longa distância nos últimos 15/20 anos, terá de fazer uma prova de vida em Londres, quando as suas maiores vedetas femininas parecem estrelas-cadentes. Almaz Ayana, vencedora dos 5000 metros em Pequim 2015 e recordista mundial e campeã olímpica dos 10 000, mal competiu este ano. Tirunesh Dibaba, antiga campeã mundial e olímpica de ambas as distâncias, está fora de forma. E Genzebe Dibaba, a maior esperança dos 5000 metros, já foi claramente batida pela queniana Hellen Onsando Obiri neste ano. A luta - 10 000 metros com decisão amanhã, às 20.10, 5000 com final no domingo 13, às 19.35 - promete ser dura. Na maratona (domingo, 14.00), Mare Dibaba tentará revalidar o título.
Chega a hora de Van Niekerk, a estrela do futuro
› No ocaso da carreira de Usain Bolt fazem-se apostas sobre quem se vai assumir como a estrela maior do atletismo nos próximos anos. E há um sul-africano de passada larga e veloz que parece já estar à frente da concorrência. Após ter surpreendido pela forma como arrebatou o ouro e destroçou o velho recorde mundial dos 400 metros no Rio 2016, Wayde van Niekerk (em cima) apresta-se para roubar o palco a Bolt - assumindo cada vez a faceta de velocista. Além dos 400 metros (terça-feira, 21.52), o sul-africano, de 25 anos, vai tentar o ouro nos 200 metros (quinta-feira, 21.52), prova em que o jamaicano já não defenderá o título mundial. Todavia, nesta tentativa de emular mais um feito de Michael Johnson (único a juntar vitórias em 200 e 400 metros, em 1995), contará com a forte oposição de Isaac Makwala (Botsuana).
19 russos "neutrais" em mais uma ausência da Rússia
› Pela primeira vez (desde a implosão da União Soviética), a Rússia falha os Mundiais. A suspensão que afastou os russos dos Jogos Olímpicos Rio 2016 - devido ao esquema de dopagem sistemática descoberto na federação russa - mantém-se em vigor. Contudo, em Londres, já vão competir 19 russos, considerados "limpos" pela Associação Internacional de Federações de Atletismo. Inscritos como atletas "neutrais" - sem representarem as cores do país nem contarem para os registos da segunda maior potência da história da modalidade - estão campeões mundiais como Maria Lasitskene (salto em altura) e Sergey Shubenkov (110 m barreiras).
Caster Semenya estende a polémica aos 1500 metros
› O nome causa controvérsia desde que, ainda adolescente, em 2009, chegou com estrondo ao trono mundial dos 800 metros femininos. De físico possante e traços masculinos, a sul-africana Caster Semenya tem visto sucessivamente questionado o seu género sexual - mesmo que todos os testes hormonais realizados até aqui a liberem para participar em provas femininas. Agora, em Londres, a bicampeã olímpica dos 800 metros promete estender a polémica a uma nova distância. Além de correr por mais um ouro, na sua prova de eleição (domingo 13, pelas 20.10), Semenya, de 26 anos, vai aventurar-se também nos 1500 metros (segunda-feira, 20.50): ao contrário da sul-africana, seis das rivais já correram abaixo dos quatro minutos neste ano, mas uma corrida tática, com final rápido, poderá favorecê-la.
Taylor à caça do recorde de Edwards, Évora à espreita
› Para o triplo salto não estão guardadas apenas algumas das esperanças portuguesas para a conquista de uma medalha nos Mundiais: aí recai também uma das maiores expectativas de ver cair um recorde lendário. Na prova masculina, Christian Taylor (EUA) irá à caça do mítico máximo fixado por Jonathan Edwards em 1995 (18,29 metros). Se o conseguir, o bicampeão olímpico, de 27 anos, alcançará também o tricampeonato mundial. Na dura e apertada luta por uma medalha (final quinta-feira, pelas 20.20) deverá estar também Nelson Évora. Já na prova feminina (final segunda-feira, 20.25), com favoritismo repartido pela colombiana Caterine Ibargüen e pela venezuelana Yulimar Rojas, Patrícia Mamona também pode sonhar com a subida ao pódio.
A estreia dos 50 km marcha, com Inês como favorita
› Apesar das candidaturas de Nelson Évora e Patrícia Mamona, no triplo salto, e de uma eventual surpresa de Tsanko Arnaudov, a grande candidata portuguesa a trazer uma medalha de Londres é a marchadora Inês Henriques, numa prova que promete ficar para a história: a estreia dos 50 km marcha femininos em grandes competições internacionais. A inclusão da distância no programa dos Mundiais (consagrando a paridade entre homens e mulheres, ambos com o mesmo número de eventos na competição) só foi confirmada há poucos dias (corre-se domingo 13, a partir das 07.45) e permite alimentar o sonho de consagração de Inês Henriques, recordista mundial com uma marca (4:08.26 horas) quase 14 minutos melhor do que a concorrência. Ao todo há sete inscritas, mas, com a exigência de que cheguem aos 48 km com um tempo inferior a 4:17.00, não é certo que todas terminem.
E depois de Eaton. Quem é o mais completo do mundo?
› Por fim, há um trono por ocupar, o de homem mais completo do mundo. O decatlo ficou órfão do norte-americano Ashton Eaton, que se retirou no início do ano, com 28 anos e o estatuto de bicampeão mundial e olímpico e detentor do recorde do mundo. Resta saber quem lhe sucede, num evento combinado que não conhecia outro vencedor desde Daegu 2011. Os principais candidatos a novo "super-homem" são o francês Kevin Mayer e o canadiano Damian Warner. Tudo se decide no sábado 12, com a prova de 1500 metros (20.45).