O filme que Trump vai odiar seduziu Locarno

Sessão histórica na Piazza Grande do Festival de Locarno: a antestreia de Amor de Improviso, o filme anti-América racista de Trump e que vai fazer de Kumail Nanjiani a nova estrela da comédia americana.
Publicado a
Atualizado a

Nesta última metade do festival há uma noite para lembrar. A noite da estreia de Amor de Improviso/The Big Sick, de Michael Showalter, projeção na Piazza Grande, numa noite de trovoada e relâmpagos sem chuva. Mais de seis mil pessoas comovidas e rendidas a uma das melhores comédias americanas dos últimos anos, de novo com dedo de Judd Apatow, desta feita apenas como produtor, embora se sinta o seu tom realista e de humor despudoradamente na primeira pessoa. Uma aclamação que já vem de Sundance e de um impressionante apoio da imprensa americana. O filme, que estreia em Portugal muito em breve, está já na linha da frente para as nomeações no final do ano para os Golden Globes na categoria de comédia.

Escrito e interpretado pelo comediante de origem paquistanesa Kumail Nanjiani, o filme é precisamente a sua história, focando em concreto no seu romance com uma estudante de psicologia que é agora a sua mulher. Uma história de amor que meteu uma namorada em coma, uma expulsão na família e a sua mudança dos clubes de comédia de improviso de Chicago para Nova Iorque. Comédia com o coração a saltar pela boca que fala do humor auto-confessional e consegue ser absolutamente verdadeira e genuína, tal como acontecia em Gente Gira (2009) , precisamente de Judd Apatow. Se tudo isto é sofisticação da nova comédia americana, um estado de graça qualquer ou apenas um grande argumento com um realizador funcional (que já tinha feito coisas bem notáveis em Hello, My Name is Doris), não importa. Importa é que este filme não é para ser visto, é para ser vivido. O seu charme é tão subtil que quase nos esquecemos da sua farpa política na América de Trump: a ode ao casamento multirracial entre uma americana do Midwest com um paquistanês islâmico (neste caso, mais ou menos).

[youtube:jcD0Daqc3Yw]

Esta tarde, quando forem divulgados os prémios, a produtora portuguesa Terratreme tem razões para fazer figas na secção das curtas, Leopardo de Amanhã. António e Catarina, da romena Cristina Hanes foi dos melhores que vimos. Um documentário-ensaio que reúne uma série de encontros entre a jovem realizadora (em Portugal ao abrigo de um programa europeu de apoio a cineasta nómadas) e um septuagenário misterioso habitante de Lisboa, o sr. Augusto, que insiste em ser António e trata a realizadora por Catarina. Tudo se passa num apartamento esconso numa zona histórica da cidade e nesses 40 minutos ficamos a conhecer melhor este retratado, um homem com um passado sombrio mas capaz de citar Proust e falar abertamente de sexualidade.

[youtube:D9YZw_X5UzQ]

António e Catarina é um objeto estranho e encantatório, um diálogo entre gerações e géneros que nos faz pensar muito sobre como o cinema ainda pode forjar novas áreas de intimidade.

Mais uma "invenção" da Terratreme que certamente terá vida feliz no circuito dos festivais, tal como Milla, de Valeria Massadian, outra co-produção com o dedo da mesma produtora coletiva. E porque o festival festeja os 70 anos, este projeto que compete na secção Cineastas do Presente venceu já um prémio "não oficial", o prémio Euroimages Audentia Award, atribuído em alguns festivais para a melhor realizadora. Massadian, cineasta de origem arménia, no palco, ao receber o prémio das mãos da atriz Golshifeth Farahani, sublinhou: "nós, realizadoras, estamos aqui para ficar!". E a igualdade de géneros conquista-se assim no cinema...

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt