O FBI trouxe a habitual surpresa de outubro
Ah, os bons velhos tempos de John Edgar Hoover, patrão quase eterno do FBI (48 anos, de 1924 a 1972). Fazia-as, mas pela calada. Ele documentava os hábitos sexuais da primeira-dama Eleanor Roosevelt e a partilha de amantes entre John Kennedy e chefões da Máfia - os próprios haveriam de saber que ele sabia e Hoover fazia mesmo questão que soubessem. Aliás, cada novo inquilino da Casa Branca (e ele conheceu oito), na primeira vez que o recebia na Sala Oval, via que Hoover lhe deixava sobre a secretária um dossier. Era o que o FBI conhecia dos seus segredos. Talvez não estivesse lá tudo, talvez alguma coisa chegasse aos jornais, mas nunca se viu foi Hoover pôr a boca no trombone em público.
Quando, na "surpresa de outubro" de 1964, no mês final da campanha eleitoral, Lyndon Johnson soube da prisão do seu principal conselheiro, Walter Jenkins, por atos sexuais numa casa de banho pública, o presidente convocou Hoover. Responsabilizou-o por ele não o ter prevenido sobre a inclinação sexual do seu conselheiro, mas Hoover disse-lhe que informações sexuais só as daria a Johnson, se fossem sobre ele, o próprio presidente. Quanto aos demais funcionários, a política do FBI era saber mas ser discreta. Johnson perguntou-lhe, então, como é que ele poderia adivinhar um gay. E John Edgar Hoover explicou-lhe, na versão da época, os trejeitos no falar e no andar. Mas não lhe disse que ele próprio era homossexual. Tomem isso como exemplo de discrição do FBI, a tradicional política da casa.
Mas em 2016 a "surpresa de outubro" chegou pela boca de James Comey, o atual diretor do FBI. Ele anunciou a presidentes de comissões parlamentares, todos republicanos, que os seus serviços iam reabrir o caso dos e-mails privados de Hillary Clinton. Disse-o, passando por cima da sua superior, a procuradora-geral dos Estados Unidos, Loretta Lynch. E com um mínimo de factos - ainda nem se sabe se a candidata democrata está relacionada com o que se investiga - conseguiu um máximo de suposições. Isto é, o FBI interferiu de forma a influenciar o resultado das eleições. Aquilo que foi anunciado há semanas por Donald Trump, que o resultado eleitoral seria falseado, acabou por acontecer já, mas não sendo ele o prejudicado.
O site FiveThirtyEight, de análise política de sondagens, comparou as "surpresas de outubro" de campanhas eleitorais passadas para conhecer os efeitos dos sobressaltos de última hora nos resultados. Em 1968, o presidente democrata Lyndon Johnson anunciou o fim dos bombardeamentos de Hanói (a guerra do Vietname era a questão americana de então), mas não foi o suficiente para vencer o republicano Nixon. Em 2000, soube-se que o candidato George W. Bush tinha sido preso por conduzir embriagado, mas ele ganhou à mesma. Em 2008, as Bolsas desmoronaram-se mas isso não ajudou substancialmente a vitória esperada de Obama. E nunca saberemos o que sucederia com a "surpresa de outubro" de 1980: os funcionários da embaixada americana em Teerão continuaram sequestrados. Era a única chance de o presidente Jimmy Carter se livrar dessa vergonha. Não tendo acontecido, foi arrasado, como se esperava, pelo candidato Ronald Reagan. Resumindo, só no dia 9, no fim do jogo, poderemos fazer prognósticos sobre a entrada do FBI na campanha de 2016.