O favorito para o negócio da Comporta é um "mentiroso compulsivo"?
Parece haver uma sina na Herdade da Comporta. Primeiro faliram "os espíritos" ou a "família"- os nomes por que eram conhecidos na zona os membros da família Espírito Santo, como garantiu à Visão um morador. Agora, que está à venda, esta seleta zona balnear pode passar para o património de Mark Holyoake. Mas este investidor inglês tem quase tantas páginas de jornal escritas sobre negócios falhados como Ricardo Salgado.
A imprensa inglesa - do The Guardian ao Financial Times - descreve os seus dois últimos negócios citando decisões judiciais. Fraude, bancarrota, falta de dinheiro, mentiras, a lista é enorme. Os dois últimos negócios de Holyoake acabaram em tribunal. A falência da empresa que liderava, a British Seafood, originou uma queixa por fraude. O caso foi resolvido com um acordo extra-judicial. O negócio seguinte foi a compra de uma mansão no centro de Londres, em Grosvenor Gardens. Mas Mark Holyoake, segundo o tribunal londrino que julgou o caso, em dezembro passado, não tinha sequer os 12 milhões de libras que o negócio requeria. Agora, o inglês oferece 156 milhões de euros pela Comporta - e a Gesfimo, que gere o fundo imobiliário que detém a herdade, escolheu a sua proposta como a melhor.
A sua principal concorrente, no negócio da Comporta, a portuguesa Paula Amorim, já levantou dúvidas sobre a idoneidade de Holyoake. O inglês, que está associado, através da sua empresa Oakvest, à Portugália e à Sabina, respondeu que isso é apenas "um conjunto de deturpações de fatos e de falsidades". Na sua opinião, revelada pelo Dinheiro Vivo, os seus adversários não se conformam com "perder no campo" e parecem "pretender ganhar na secretaria".
Em Londres, Holyoke perdeu na secretaria há sete meses. Parece a história de um filme. Em 2011, logo após a polémica falência da sua empresa de importação de peixe asiático, a British Seafood, Holyoke abordou um ex-colega de faculdade, o milionário Nick Candy. Pediu-lhe 12 milhões de libras emprestadas, para comprar uma casa em Belgravia, onde pretendia iniciar uma carreira no negócio imobiliário. A casa custava 42 milhões, e o investidor não tinha como angariar o dinheiro em falta.
Para Nick e o seu irmão, Christian, os "manos Candy", dinheiro não era um problema. Nick é conhecido em Londres por extravagâncias tais como pagar 1,2 milhões para que a cantora americana Katty Perry cantasse no seu casamento. Entre outras coisas, os irmãos surgiram associados ao financiamento do dissidente russo assassinado em Londres, Alexander Litvinenko. Emprestaram o dinheiro a Holyoke.
O problema veio depois. Holyoake pôs um processo por "extorção" aos dois irmãos, acusando-os de pretenderem usar o empréstimo para se apropriarem do imóvel em causa. Em tribunal, em resposta a esta acusação, os irmão acusaram Holyoke de ser "um mentiroso e um fraudulento" que tinha exagerado sobre o valor do seu património e que, afinal, não tinha o dinheiro que garantia ter. O juiz concordou e escreveu na sua sentença - em que absolve os irmãos da queixa apresentada por Holyoake - que as declarações de rendimentos do queixoso eram exageradas. Mais: o juiz considerou, ao longo de 194 páginas de sentença, que Holyoake tinha feito, por duas vezes, alegações "francamente falsas" sublinhando que isso é uma forma de desrespeito pelo tribunal.
"Eu já disse o suficiente para explicar por que avalio provas do Sr. Holyoake com uma reserva muito considerável", escreveu o juiz. "Embora duvide que a lei possa encarar a mentira como uma forma aceitável de conduzir negócios", ironizou o juiz, "deve ser desnecessário acrescentar que o tribunal vê como particularmente adverso um litigante que mente no processo, porque isso corrói o próprio processo judicial".
Holyoake reagiu à sentença anunciando um recurso. Diz ter ficado em "estado de descrença" na justiça, depois de conhecer a sentença.
Amanhã se saberá quem é o novo dono da Herdade da Comporta. Mas a ironia parece inscrita na história desta herdade. Afinal, foi uma Espírito Santo, Cristina Toscano Rico, que afirmou ao Expresso - para grande polémica nacional - que ir à Herdade da Comporta era "como brincar aos pobrezinhos".