O fator chinês no Quénia e no Zimbabwe
Se perguntarmos a qualquer pessoa com um conhecimento básico sobre África qual o país que está mais bem posicionado para o sucesso se o Zimbabwe ou o Quénia, a resposta será indubitavelmente o Quénia. Os acontecimentos da semana passada parecem confirmar esse veredicto.
Na semana passada, depois de o Supremo Tribunal do Quénia ter confirmado a reeleição do presidente Uhuru Kenyatta nas contestadas eleições presidenciais realizadas no país, o Estado de direito parece ter superado a violência política pela primeira vez em anos. O Zimbabwe está sem o presidente Robert Mugabe pela primeira vez em 37 anos. E embora o país esteja agora deslumbrado, o seu futuro político está longe de ser certo.
Mas, como queniana e a viver na China, um dos parceiros para o desenvolvimento do continente africano mais importantes vejo um único indicador que pesa a favor do Zimbabwe: a sua relação com o meu país de adoção. Na verdade, os laços económicos e políticos do Zimbabwe com a China podem vir a ser decisivos para o perpétuo desfavorecido de África.
No papel, o Quénia está claramente em vantagem. Embora o Zimbabwe tenha mais recursos naturais e riqueza mineral, tem muito menos terra e a pobreza extrema está muito mais disseminada. Mais de 70% dos 16 milhões de habitantes do país vivem com menos de 1,9 dólares por dia, em comparação com 46% dos 48 milhões de pessoas do Quénia. Além disso, cerca de 90% dos zimbabuenses estão desempregados ou subempregados, em comparação com 39% dos quenianos.
Até as ligações económicas do Quénia com a China podem parecer mais impressionantes à primeira vista. O Quénia e a China têm vindo a colaborar desde há muito tempo em grandes projetos de infraestruturas. Uma linha de caminho-de-ferro financiada pela China entre Nairobi e Mombasa, que abriu no início deste ano, é o último exemplo. Desde o ano 2000, a China ofereceu ao Quénia 6,8 mil milhões de dólares em empréstimos para projetos de infraestruturas, em comparação com os 1,7 mil milhões que disponibilizou ao Zimbabwe. Como as condições de empréstimo geralmente incluem um requisito para contratar funcionários chineses, o Quénia tinha mais de 7400 no final de 2015, enquanto o Zimbabwe tinha pouco mais de 950.
Mas na competição pela generosidade chinesa, a vantagem do Quénia em relação ao Zimbabwe termina aí. O investimento direto estrangeiro chinês acumulado desde 2003 atingiu quase os sete mil milhões no Zimbabwe, em comparação com os 3,9 mil milhões no Quénia. De ano para ano aumenta também o fluxo de dinheiro chinês para o Zimbabwe.
Além disso, a balança comercial do Zimbabwe com a China é muito superior à do Quénia. Em 2015, as exportações do Quénia para a China totalizaram 99 milhões de dólares, enquanto as importações da China ultrapassaram 60 vezes esse montante. Mesmo tendo em conta as importações de materiais ligados às infraestruturas construídas no país, este é um défice bilateral excecionalmente grande.
O Zimbabwe, por outro lado, apesar da sua taxa de crescimento lento, exportou 766 milhões de dólares de mercadorias para a China em 2015 e importou 546 milhões. Mais surpreendentemente, as exportações do Zimbabwe não se restringiram a minerais e metais, como se poderia presumir, mas incluíam também tabaco e algodão, produtos que exigem relativamente mais mão-de-obra, o que significa mais criação de emprego interno. E enquanto o Zimbabwe tem cerca de menos 50 empresas chinesas registadas do que o Quénia, a economia do Quénia é cerca de 4,5 vezes maior do que a do Zimbabwe, o que indicia claramente que as empresas que lá operam contribuem mais para a economia do país.
Como é que o Zimbabwe atingiu, ao que parece, pelo menos de uma perspetiva numérica, uma relação mais produtiva com a China do que o Quénia?
Poucos, além de Mugabe e dos seus colegas próximos, incluindo o novo presidente do país, Emmerson Mnangagwa, podem ser categóricos a esse respeito. Mas uma maneira de fazer um palpite aproximado é comparar a história de envolvimento bilateral com a China dos dois países.
Tanto o Quénia como o Zimbabwe tiveram duas visitas dos chefes de Estado chineses durante as suas histórias pós-coloniais. O presidente chinês Jiang Zemin visitou os dois países em 1996, enquanto o presidente Hu Jintao visitou o Quénia em 2006. O atual presidente da China, Xi Jinping, visitou o Zimbabwe em 2015.
As visitas de Estado no sentido inverso foram ainda mais irregulares. A primeira visita de Mugabe à China foi em 1980, apenas seis meses após a independência; ele fez mais 13 durante o seu mandato, e as visitas de alto nível de outros funcionários zimbabuenses foram ainda mais frequentes, ocorrendo aproximadamente uma vez a cada dois anos durante o reinado de Mugabe. Os presidentes do Quénia, em contrapartida, viajaram para a China apenas seis vezes durante o mesmo período, mais recentemente em maio de 2017.
Os líderes do Zimbabwe aproveitaram as suas visitas para promover o comércio e a cooperação militar, e provavelmente envolveram-se diretamente com empresas privadas chinesas. Isso criou uma cultura de reciprocidade. Apenas alguns meses atrás, por exemplo, uma empresa chinesa abordou a minha empresa pedindo conselhos sobre como entrar no mercado de cuidados de saúde do Zimbabwe. Eu ainda não respondi a perguntas semelhantes sobre como ganhar acesso aos mercados no Quénia.
O papel da China nas economias africanas tem sido criticado mas, como já defendi antes, o investimento chinês foi também uma boia de salvação para muitos no continente. Desde a criação de oportunidades de emprego até ao investimento direto em infraestruturas, a China tem sido parceira de África quando muitos investidores ocidentais preferiram manter-se afastados.
Ninguém sabe ainda como o Quénia e o Zimbabwe vão explorar as suas futuras relações com a China. Ambos os países apoiaram a Iniciativa da Nova Rota da Seda de Xi, o que, em teoria, deveria aumentar o seu valor estratégico para a China. O regresso do Quénia à estabilidade política também deve sustentar, se não mesmo aprofundar, o envolvimento económico do país com a China.
Os laços históricos do Zimbabwe com a China não serão menos importantes. Após a demissão de Mugabe, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China fez tudo o que podia para louvar a “amizade entre a China e o Zimbabwe”, e espera-se que Mnangagwa dê continuidade a essa relação. O novo presidente recebeu treino militar na China e fez uma visita oficial como presidente do Parlamento em 2001. Existem mesmo rumores de que a China foi avisada do golpe iminente no Zimbabwe ou até consultada de antemão.
Enquanto o Quénia e o Zimbabwe determinam os seus futuros políticos, há muitas coisas nos dois países que vão sem dúvida mudar, esperamos que para melhor. Os laços de ambos com a China vão constituir um indicador-chave para a avaliação da sua trajetória.
Ex-chefe de políticas e parcerias para o Programa da ONU para o Desenvolvimento na China, é fundadora e CEO da Development Reimagined
© Project Syndicate, 2017