O fator América Latina e Caribe
A entrevista do Ministro português dos Negócios Estrangeiros ao DN desta quinta-feira, deu algum relevo a uma área de relações internacionais há longos anos ocultada por outras agendas mundiais, a não ser nos Estados Unidos, devido à proximidade geográfica e às avalanches migratórias: América Latina, mais exatamente, América Latina e Caribe.
Em relação à Europa, tudo se passa como se houvesse preocupação de confidencialidade ou, mais provável, ninguém sabe o que fazer ou por onde começar. É possível que as declarações do ministro constituam uma nova vontade política em função da atualidade e, pelo menos, elas vão repercutir por aqui.
A busca na América Latina e Caribe por reforço da laços com a Europa tem a ver com a urgência na diversificação de parceiros de grande dimensão, a dualidade Estados Unidos-China não constitui verdadeira diversificação. É bipolaridade também muito limitativa.
No plano económico, há décadas que se debate um acordo entre o Mercosul e a União Europeia, onde entraves aparecem sempre que se está perto de aproximação. Na maior parte do tempo, certas doses de protecionismo europeu e, mais recentemente, a forte oposição entre França e Brasil, explicada oficialmente por divergências em matéria ambiental, mas de facto consequência do choque Bolsonaro-Macron.
Com o novo governo brasileiro, veremos se o processo avança ou quais serão os pretextos para que não ande.
Num quadro mundial marcado pela inflação, onde a parcela agro-alimentar tem um enorme peso, economias como a brasileira e a argentina têm uma importante capacidade de resposta, sendo mesmo indispensáveis a qualquer estratégia global de combate simultâneo à fome e ao encarecimento dos produtos de alto consumo. Por outro lado, para o Mercosul, um dos elementos centrais, além da abertura de mercados, situa-se na faixa do investimento, dado o défice de capital em todos os seus Estados membros. No fundo são duas faces da mesma moeda
O Mercosul é só um exemplo pela sua dimensão. Naturalmente que um acordo desta entidade com a União Europeia abriria espaço para outras áreas do sub-continente em termos multilaterais. Neste ponto, o Caribe repercute para além dos seus limites, com a possível reativação do grupo ACP (África, Caribe e Pacífico).
A economia não é ponto único. A segurança no Atlântico Sul, Pacífico Ocidental e Caribe volta a colocar-se com urgência, exigindo atitude que evite a improvisação de decisões em cima de algum acontecimento brusco. Qualquer destas áreas marítimas e suas margens são altamente vulneráveis a prolongamento de crises em outras partes do mundo e, pelo menos, o Caribe e o Atlântico Sul constituem duas superfícies com exploração de recursos energéticos, outra parcela central não apenas na inflação generalizada mas também nas guerras económicas em andamento.
Neste momento, assiste-se na América do Sul a modernização acelerada das forças armadas com muito relvo para a aeronáutica de combate, visível nas aquisições brasileiras de aviões Saab-Gripen pelo Brasil e Rafale pela Colômbia esta, aliás, com acordos especiais com a OTAN, não anulados pelo governo de Gustavo Petro, o primeiro de esquerda em toda a História colombiana.
Há um vasto leque de outros assuntos a mencionar mas, no imediato, é prioritário sublinhar três: transferência de tecnologia para energias renováveis; política sobre mudanças climáticas onde a gigante Amazônia é incontornável; direitos humanos e migrações, temas interligados sobre legitimidade de alguns governos, a forma como esses governos tratam a sua própria população - princípio de qualquer política decente de relacionamento internacional - e porque, na verdade, as grandes migrações dependem sempre dos níveis de desenvolvimento e dos termos internacionais de troca que lhes estão ligados. Atualmente, esses termos podem até piorar com a perda de velocidade da Organização Mundial do Comércio.
Assim, uma nova gestão deste relacionamento preencheria diversos vazios e lançava um novo dado na atual conjuntura, que vai prolongar-se até que um dia haja redefinição de poderes, seja sobre os princípios reguladores ou sobre os espaços.