Para afastar dúvidas, logo no início da conversa, na sua casa apinhada de livros, no Porto, António José de Brito esclarece: "Estou mais à direita de Salazar, porque eu sou fascista totalitário." Apressa-se a sacudir o rótulo de "racista biológico", e assim separa as águas em relação a grupos como o Partido Nacional Renovador (PNR). Este antigo professor de Filosofia na Faculdade de Letras do Porto, reprova a via "folclórica" que a "residual " extrema-direita portuguesa está a seguir..António José de Brito, pensador de extrema-direita, licenciou-se em Direito e Ciências Jurídicas, em Coimbra, e doutorou-se no ano de 1979, em França, com a tese O Ponto de Partida da Filosofia. O autor de Destino do Nacionalismo Português (1962) não conheceu Salazar pessoalmente, e o único cargo que teve no Estado Novo foi o de secretário da Universidade Porto. Demitiu-se em 1975, "fui embora antes que me pusessem fora". Considerado um dos consolidados neo-hegelianos portugueses, só começou a dar aulas nos anos 80..As suas obras mais polémicas são políticas: Sobre o Momento Político Actual (1969), uma crítica feroz a Marcelo Caetano, Diálogos de Doutrina Anti-democrática (1975), ou os estudos sobre Alfredo Pimenta António Sardinha, Charles Maurras e Salazar reunidos na obra Pensamento Contra-Revolucionário (1996). Acusado de colaborar com a polícia política da ditadura, o seu caso acabou por ser arquivado: "Infelizmente não tive a honra de ser preso!".António José de Brito tem o seu trabalho filosófico - quatro livros - publicado na Imprensa Nacional. Os ensaios políticos - como Pensamento Contra-Revolucionário ou Compreender o Fascismo - aparecem dispersos por pequenas editoras. O último texto doutrinário de sua autoria é A Actualidade do Fascismo, que serviu de posfácio ao livro Discurso da Revolução, de Benito Mussolini, editado pela Réquila..Recentemente voltou à polémica. Joshua Ruah falou pela comunidade judaica, declarando a sua indignação por um negacionista estar a ser editado na editora do estado..Poderia parecer que as polémicas com a extrema-direita e o PNR agradariam a este professor. Mas António José de Brito está desencantado com a actividade política do PNR. "Eles fazem uma agitaçãozinha... umas coisas, uns cartazes, uma marcha - folclore apenas, faltam ideólogos de extrema-direita." Por exemplo: num congresso nacionalista, realizado há três anos, "elementos do PNR diziam que o Brasil era uma vergonha, porque havia lá muitos pretos, e não os ouvi claramente tomarem uma posição doutrinária: era um coisa de pele, racista". O fascista puro e duro assume uma posição sensivelmente diferente - e até prefere "alguns pretos" a certos brancos..Em pleno Verão Quente, em 1975, num livro que publicou, lembra, ele próprio mostrava-se próximo de certos negros, dos que se bateram com a bandeira portuguesa. "Prefiro esses aos brancos do 25 de Abril, o Otelo, o Costa Gomes ou o Spínola, o traidor traído: a questão de pele para mim não é fundamental"..O católico e contra-revolucionário Salazar, ditador do "viver habitualmente", não era o "chefe" que desejou para guiar o País. Mas votou nele no concurso da RTP Os Grandes Portugueses. "Para mim, a figura mais importante da nossa História é o D. João II, mas como Salazar irritava muita gente, telefonei uma vez - votei no último dia"..O ressurgimento da figura de Salazar, que, pouco dias depois de ser o grande português, teve cerca 300 manifestantes em Santa Comba Dão a exigir a abertura de um museu, não entusiasma o velho fascista. "É um gesto de nostalgia, puramente sentimental." Em Portugal a extrema-direita é escassa: "a anti-imigrante e a outra, que talvez ainda seja mais residual". "Estritamente fascistas como eu há meia dúzia". E os salazaristas, para onde foram os seguidores do fundador do Estado Novo?."Os salazarista votam no Cavaco, no PSD e no CDS." E não só, afirma o antigo professor de Filosofia , que bem conhece muito dessa gente. "Alguns , muito pensantes, os maquiavéis, ainda vão votar nos socialistas . Dizem que é uma táctica de infiltração."Durante o Estado Novo, António José de Brito e Goulart Nogueira fundaram a revista Tempo Presente, de "coloração fascista", apoiada pelo regime: comprava um certo número de exemplares . Mas a irreverência, o "viver perigosamente" dos fascistas, depressa feriu a sensibilidade do ditador - que mandou cortar o apoio. Nas relações da extrema-direitacom Salazar, enfim, havia por vezes crispações..Os "desvios" do rei.António José de Brito é fascista monárquico. Duarte Nuno de Bragança, no entanto, não lhe "merece respeito nenhum", devido ao "desvio" que o pretendente fez aos princípios monárquicos. "Este é um rei que diz que é democrata. É a mesma coisa que um papa dissesse que era muçulmano ou ateu." Aderiu ao 25 de Abril e, às vezes, "até se arma em António Sardinha!".Prosa que "arranha".A prosa do nobel português não convence o velho fascista: "Parece que arranha o papel e a paciência." Leu quatro livros de José Saramago e ficou "fracamente horrorizado", afirma. "Disseram-me que no romance O Ano da Morte de Ricardo Reis pintava muito bem Lisboa. Pintava uma Lisboa só com chuva... se calhar estava a confundir com a cidade do Porto.".Não tem doutrina."Conheci muitos Pinto Coelho, aquilo é uma longa dinastia. O líder do PNR não conheço", diz António José de Brito. "Eu não sou anti-imigrante, o José Pinto Coelho é. Mas não vou discutir com o PNR, não vale a pena, não vejo aí uma doutrina clara, vejo atitudes: ser contra os imigrantes é uma atitude." No seio do partido "alguns são antidemocratas, aí temos um ponto comum"..Tributar os bancos.Os governantes da nossa democracia, fácil de ver, não despertam qualquer simpatia a António José de Brito. O primeiro-ministro José Sócrates é "um entre muitos". "Nunca vi os bancos serem tributados e têm lucros fabulosos." Mas isso é o que defende o PCP e BE! "E não tem mal nenhum: se eles disserem que está sol, e estiver de sol, eu também digo que está sol."