O fã número 1 de Tati

Um pequeno milagre realizado por Sylvain Chomet.<br />
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O argumento que Jacques Tati nunca filmou. Foi preciso um cineasta do cinema de animação para concretizar um projecto adiado. Sylvain Chomet, nem menos, o homem que impulsionou a animação europeia com o sucesso Belleville Rendez-Vous. O Mágico é um novo triunfo, uma proposta para todos os públicos e sem necessidade de diálogos. Chomet apresenta-nos este pequeno milagre.

No argumento original de Jacques Tati, a personagem do ilusionista vai para a Checoslováquia. Por que razão a mudança para a Escócia?
Depois de descobrir Edimburgo, quando fui lá ao festival com Belleville Rendez-Vous, decidi mudar-me para a Escócia! Achei aquele lugar e as pessoas bastante hospitaleiros. Apaixonei-me pelo país! É um sítio que nos dá muita inspiração. E fazia sentido em termos de guião... Praga, sejamos claros, é demasiado turística, além de que em 1959 era uma cidade de Leste muito escura e sem áreas comerciais. Na Escócia, mudámos a luz. A paisagem é ainda extremamente humana. Agora já não estou na Escócia, apesar de ter sido lá que abri um estúdio de animação. Mas isso foi uma péssima ideia. Creio que nunca poderei ser artista e empresário ao mesmo tempo.

Por que razão esta história era tão pessoal para Tati?
Ele estava a falar do que sabia. Tati era um artista de music hall antes de ser cineasta. Um artista famoso que conheceu muitos artistas de variedades durante os seus dias de palco. Os seus amigos eram palhaços, acrobatas, ventríloquos, etc. Depois foi para o cinema na altura certa - logo a seguir o music hall começou a entrar em decadência. Curiosamente, um dos seus grandes amigos era um ilusionista que o ajudava em alguns truques nos seus filmes. Obviamente, Tati estava fascinado pelos mágicos e só não fez este filme por ser demasiado pessoal. Tati era tão tímido que não quis revelar muito da sua verdadeira identidade... Por isso, escondia-se atrás daquela personagem do Sr. Hulot.

Para desfazer as dúvidas, este ilusionista não é o Sr. Hulot...
Não! Mas ao ler-se o guião percebemos que a personagem é o próprio Tati. No palco, a personagem é fisicamente um pouco o Sr. Hulot. Só aí... Mas ao investigar a vida de Tati percebi também que ele tinha bastante de Hulot. Digamos que Hulot foi sempre uma versão aumentada de Tati.

O sucesso de animações como Persépolis e Valsa com Bashir deixam-no mais optimista? Ao fim e ao cabo, descobriu-se que há um público adulto que vai ao cinema ver animação.
Sim, estou muito feliz. Percebeu-se finalmente que a animação não é apenas para as crianças. E o sucesso de Persépolis é espantoso. Caramba, aquilo é a preto e branco e a história de uma jovem iraniana é mesmo para adultos! Penso que também ajudei nessa mudança, com Belleville Rendez-Vous. A animação ficou mais adulta, cresceu. Mesmo a Pixar ficou mais adulta e isso é óptimo.

Aconteceu que uma geração que cresceu a ver cinema de animação nunca deixou de gostar desse género, não foi?
As pessoas sempre gostaram de animação. O problema é que é um género muito caro e antes o mais comum era apenas encontrarmos nas salas filmes com o selo Walt Disney. Agora, felizmente, estamos numa nova era da animação.

E o que pensa do caso de Joan Sfaar, o mais famoso desenhador de banda desenhada de França, que tem pronta uma adaptação de um dos seus livros para o grande ecrã?
Não sei... Prefiro sempre que a base original seja o argumento e não algo que já exista em banda desenhada. Mas é claro que prefiro ver um filme de Joan Sfaar a mais uma adaptação do Lucky Luke ou do Astérix! Estou muito preocupado com o que vão fazer com Tintin. Penso que a Bélgica vai declarar guerra aos EUA.

Com é possível um filme baseado num herói tão emblemático em França não ter estado no Festival de Cannes?
Era suposto ter estado em Cannes 2008 mas depois na montagem houve um atraso. Mais tarde, também não chegámos a tempo para o Festival de Veneza.

Aprecia a animação computorizada?
Sim. Sei lá, uma animação em 3D é uma outra forma de contar uma história. Por exemplo, Up - Altamente é um filme muito belo. A Pixar está a fazer coisas muito interessantes. Desde Cars que estão a evoluir, as personagens têm uma vida verdadeira, capazes de morrer ou ter sentimentos.

Em Paris, Je t"Aime filmou uma curta-metragem em imagem real. Poderá um dia fazer uma longa-metragem sem ser de animação?
Essa foi uma experiência muito boa. Adorei em especial a relação que tive com os actores. Tenho já um projecto em imagem real com a Yolande Moreau e já tentámos o Ewan McGregor, que faria o papel de um mudo. É um papel muito interessante para ele. Será um filme muito gráfico, tal como os filmes de Terry Gilliam ou Jeunet, cineastas que vieram da animação. A minha ideia é fazer um musical em que as pessoas não podem dançar nem cantar.

Como fã de Jacques Tati, pensa que seria uma boa ideia fazer-se um filme biográfico?
Ele era uma pessoa normal com uma vida simples, duvido que haja material biográfico que justifique uma adaptação cinematográfica. Tati era uma pessoa que não se revelava muito ao exterior. E era tão tímido que acabava por levar para o cinema uma persona de palhaço.

O Mágico
Animação
Realização: Sylvain Chomet
Argumento: Jacques Tati, Sylvain Chomet

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