O erro na hora

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Errar é humano. Poucos serão aqueles que, ao longo das suas vidas, não terão já proferido esta frase nas mais variadas ocasiões, quando confrontados com as suas fraquezas e os seus enganos. A origem da afirmação parece perder-se na memória dos tempos. Pelo meio, ter-se-á perdido igualmente parte da frase. Errare humanum est, perseverare autem diabolicum. Errar é humano, mas perseverar no erro é diabólico. Alguns atribuem a sua autoria a Séneca, o famoso filósofo, político e dramaturgo que foi preceptor do imperador Nero. Outros defendem que a paternidade deve ser atribuída aos escritores Tito Lívio ou Marco Túlio Cicerone, embora sob forma diferente. Outros ainda invocam formulação mais rebuscada encontrada nos Sermões de Santo Agostinho, onde este afirmava que errar é humano, mas que diabólico seria insistir no erro por soberba.

Longe de mim querer diabolizar o Governo e, em particular, o primeiro-ministro. Mas a postura por estes assumida, a propósito da proposta do PSD para a reforma da Segurança Social, é certamente um daqueles casos em que se dispensaria a persistência no erro.

Embora se costume dizer que a memória é curta, a verdade é que ela não é tão curta assim que permita esquecer que foi há menos de cinco anos - mais exactamente a 8 de Novembro de 2001 - que o então primeiro-ministro António Guterres afirmava solenemente na Assembleia da República que a sustentabilidade da Segurança Social estava assegurada até ao final do século. Viu-se... Parece, no mínimo, precipitado vir agora sustentar semelhante propósito com base num modelo que, sem prejuízo de algumas medidas que consubstanciam uma verdadeira "terapia de choque" de curto prazo, é, no essencial, semelhante ao que então se afirmava ser a panaceia para todos os problemas.

Precipitada, no mínimo, foi também a forma ligeira e arrogante como o Governo e o primeiro-ministro desconsideraram essa proposta e lhe puseram uma pedra em cima. Que chegava tarde. Que se inspirava em modelos que falharam. Que obrigava o País a aumentar a sua dívida pública para níveis incomportáveis com as obrigações assumidas no âmbito da União Europeia. Que só países com excedentes orçamentais tinham podido fazer a transição de modelo. Que custava não sei quantos milhares de milhões de euros.

Pudemos, então, ouvir o primeiro-ministro dissertar sobre as alegadas deficiências dos modelos chileno e sueco. Dificilmente o "tiro" poderia ter-se afastado mais do alvo, já que os modelos em causa não têm rigorosamente nada a ver com o modelo misto proposto. Ouvimos igualmente, com espanto, o "argumento europeu". Seria caso para perguntar se a atitude favorável das instâncias comunitárias para com as medidas recentemente adoptadas pela Polónia, Hungria e Eslováquia teria sido, afinal, o resultado de alguma intervenção divina. Ficámos também perplexos com a tese do "excedente orçamental" e, sobretudo, sem perceber o que é que teria levado países com tal alegado excedente a recorrer à emissão de dívida pública de longo prazo. Confirmámos, por fim, que, na boa tradição socialista, as contas apresentam sempre resultados que pouco têm a ver com a realidade.

No meio das dúvidas, julgo que sobraram já três certezas. Em primeiro, a de que a sustentabilidade da Segurança Social está (muito) longe de estar assegurada, justificando-se um olhar mais atento às soluções de médio e longo prazo. Em segundo, a de que a maioria dos que têm estudado o assunto - incluindo os que pertencem à família política do Governo - vêem como inevitável que se caminhe no sentido agora proposto pelo PSD. Por fim, a de que, depois da empresa na hora e da marca na hora, o Governo decidiu também adoptar o conceito do "erro na hora". Ou seja, responder rápido de mais e errado de mais.

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