O erro de "casting"
O ciclo de vida das borboletas tem quatro fases: o ovo, a larva, a pupa e a imago - ou fase adulta. Este último período pode durar de duas semanas a três meses, dependendo da espécie, sendo hoje claro que a espécie do Novo Banco liderado por Vítor Bento, cuja campanha de lançamento usava uma borboleta como símbolo, já atingiu o seu previsível e de certa forma desejável epílogo. O economista comunicou nesta semana a Carlos Costa, governador do Banco de Portugal e simultaneamente pai e padrastro do Novo Banco, que já não está disponível para continuar.
Do ponto de vista pessoal e profissional é legítimo que o economista, subitamente convertido em banqueiro, esteja cansado das indecisões e excessos do Banco de Portugal. Afinal, foi convidado para gerir o BES e o BES já não existe. Foi convidado para mudar a vida do banco mas contava usar o fundo público de recapitalização e isso também não lhe foi permitido - o Governo optou por usar o fundo de resolução e canalizar através dele o dinheiro dos contribuintes. Finalmente, contava ser ele, Vítor Bento, a desenhar a estratégia do Novo Banco, mas também isso não aconteceu.
Vítor Bento preferia uma solução que passasse por colocar o Novo Banco em bolsa a médio prazo, aproveitando o tempo por reduzir a dimensão da instituição financeira, reposicionando-a no mercado, procurando assim recuperar com o tempo a confiança dos clientes e, nesse sentido, dos potenciais investidores, que seriam cativados a entrar no capital quando, mais tarde, ocorresse a dispersão de ações em bolsa. A este plano, do qual não se conhece nada a não ser a intenção, Carlos Costa disse que não a tudo, escolhendo um caminho diferente: vender o Novo Banco (por inteiro ou às peças) num período máximo de seis meses. Tem razão Vítor Bento: não podia ser o líder de um projeto que não escolheu e que faz letra morta do que lhe foi proposto há menos de dois meses pelo mesmo governador.
O problema está, portanto, identificado. O Banco de Portugal escolheu a pessoa errada, embora credível, para suceder a Ricardo Salgado - e isso é simultaneamente fatal e grave. O economista, com experiência de gestão, não tem perfil de banqueiro nem peso (estrutura) de banqueiro. Ao não ser--lhe reconhecido esse músculo, as opções estratégicas de Bento chegaram ao Banco de Portugal sem pernas para andar porque lhes faltava a força natural da autoridade. Recusar as ideias de Vítor Bento era, portanto, fácil e tentador para Carlos Costa - até porque o banqueiro pintado de fresco manteve o mesmo estilo analítico e pouco executivo anterior, nunca fez ouvir a sua voz em público, limitou-se a dar uma entrevista envergonhada à SIC em que ficou evidente que não queria estar ali. Ali no estúdio de televisão e ali no Novo Banco.
Numa frase: as fragilidades de Vítor Bento potenciaram este desfecho previsível, mas no início do problema está o erro de casting de Carlos Costa: escolheu mal quando não podia falhar. Pelo menos que tenha aprendido a lição: o Novo Banco exige um banqueiro da cabeça aos pés, alguém com provas dadas e autonomia. Se voltar a falhar, o bater de asas desta borboleta pode gerar mais tempestades com custos para todos.