O equilíbrio dilemático entre a Austrália e a China

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A Austrália tem uma evolução sui generis - de terra australis incognita, a colónia penitenciária e a "lucky country" (por via da abundância de recursos e do distanciamento de cenários de guerra passados). Do ponto de vista cultural e civilizacional é um país de matriz ocidental, com uma democracia liberal assente num sistema político-eleitoral anglo-saxónico, membro da Commonwealth e com fortes ligações ao Reino Unido e aos EUA. Atenta a sua inserção geográfica, sucessivos governos australianos assumiram há muito uma estratégia de integração asiática, seja em termos da sua composição populacional, seja em termos económicos.

No que tange à sua população, em 2020 havia 7,6 milhões de imigrantes vivendo na Austrália, que correspondiam a cerca de 30% da sua população. Os segundo e terceiro maior contingentes de imigrantes provêm da Índia e da China (721.000 e 650.000, respetivamente). Em 2016, 13.4%, da população australiana tinha nascido num país asiático (em 1996 apenas 5.5%), constituindo quase metade da população nascida no estrangeiro. Em 2016, 26% dos nascimentos ocorridos na Austrália tinham pelo menos um progenitor asiático.

No que concerne ao seu comércio externo, em dezembro de 2015 foi celebrado um Acordo de Comércio Livre China-Austrália (ChAFTA). Em 2020, 31% das exportações em bens e serviços da Austrália tiveram como destino a China. O IDE australiano na China atingiu os 7 mil milhões em 2020; por seu turno, a China é o sexto maior investidor direto na Austrália, responsável por cerca 4% ($44 milhares de milhões em 2020) do IDE total na Austrália (excluindo os fluxos de capital chinês via Hong Kong, Singapura e outras praças financeiras).

No plano da segurança externa, desde 1951 a Austrália forma, com os EUA e a Nova Zelândia, uma aliança militar defensiva no Pacífico Sul - a ANZUS. Em setembro de 2021, a Austrália deu-lhe continuidade entrando noutra aliança militar tripartida com os EUA e o Reino Unido - a AUKUS.

Nos últimos dois anos, a China impôs tarifas aduaneiras elevadas e medidas punitivas a alguns produtos australianos (vinho, lagosta, cevada), como resultado de críticas feitas pelo presente governo australiano. Parece tratar-se de um aviso, até porque vários desses produtos acabaram por encontrar caminho para o mercado chinês através de países do sudeste asiático ou de Hong Kong. Essa situação é tanto mais bizarra quanto a interdependência económica entre os dois países é clara. Por exemplo, a China depende da Austrália em algumas matérias-primas essenciais, como o minério de ferro, sem o qual a produção de aço e de muitos outros produtos na China fica comprometida; sem aço (e a China não consegue encontrar fornecedor alternativo rapidamente) o setor da construção chinês colapsará e, com ele, uma parte significativa da economia chinesa.

A Austrália e vários países do Sudeste Asiático (Filipinas, Singapura, Tailândia) e do Extremo Oriente (Japão, Coreia do Sul) gerem há vários anos um equilíbrio entre parcerias de segurança externa com países ocidentais, máxime com os EUA, e uma integração económica com a China. Esse equilíbrio parece frágil e dilemático, mas tem-se revelado sustentável e assim deve continuar - porque todos têm muito a ganhar com a presente situação e muito a perder com a sua alteração.


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