O entusiasmo da Eurovisão e os custos da guerra
Como se viu no voto do público da Eurovisão, os europeus percebem o que se passa na Ucrânia e de que lado se deve estar. Mas não é certo que saibam quanto é que isso custa.
Há algum tempo que os líderes europeus pensavam em energias renováveis e em investir na defesa. A guerra da Ucrânia veio acelerar essas opções e dar-lhes uma circunstância completamente diferente.
A União Europeia (melhor dizendo, Macron, Bretton e Von der Leyen) considerava que a defesa era uma oportunidade de reforçar a União e de estimular a indústria europeia. Um incentivo industrial e uma oportunidade de ter uma estratégia global mais autónoma, a partir de um afastamento dos Estados Unidos. Isso, em grande parte, mudou.
A Finlândia, mais acelerada e com mais entusiasmo, e a Suécia vão aderir à NATO. Para quem não percebe o que se passa, a Finlândia (e a Suécia) explicam que a Rússia foi sempre o seu problema número um, dois e três de segurança. Não foi o problema que mudou, foi a perceção de ameaça e a estratégia de segurança.
Entretanto, Espanha, convida a Ucrânia para a Cimeira da NATO em Madrid. Aquela em que se ia tornar a China mais presente no discurso de segurança e defesa da Aliança Atlântica e em que, afinal, se vai falar muito sobre a segurança e defesa europeias e de quem são, onde estão e como se lida com os seus adversários.
Para já, e tal como se pensava no final do verão do ano passado, a Europa vai ter de se preocupar muito mais com a sua segurança e defesa. Mas ao contrário do que se imaginava no final do verão passado, a segurança e defesa europeias passam fundamentalmente pela Aliança Atlântica. Que impacto é que esta aceleração terá na estratégia europeia para a indústria de defesa?
A transição verde ia acontecer, mas não seria tão rápida. Começou por ser ambiental, depois foi também económica, agora é antes de mais geopolítica. O mercado de energia estava a mudar, está em revolução.
A Alemanha contratou metade de frota capaz de regaseificar gás natural liquefeito. Em breve ser-lhe-á mais fácil depender muito menos do gás russo. A Comissão Europeia pede (propõe legislação) aos estados-membros que seja simples criar projetos de energias renováveis. E já (quase) ninguém acredita que os investimentos no gás ou no nuclear serão penalizados pelas regras da taxonomia. A questão vai ser a de saber se por onde vai passar gás pode, depois, passar hidrogénio. Vai-se pedir isso.
Como é que esta aceleração da transição energética vai ter impacto nas empresas de energia, na indústria e na produção industrial europeias?
Úrsula von der Leyen e Charles Michel foram a semana passada ao Japão e falaram sobretudo de duas coisas: regulação da economia digital e China. É evidente o que está na cabeça dos líderes europeus e japonês: hoje é necessário depender menos da Rússia, amanhã será necessário depender menos da China. E terá de se fazer isso de forma alinhada e não competitiva.
A invasão russa da Ucrânia mostrou que a paz era muito mais transitória que perpétua, que não ter inimigos não existe, e que ser geopolítico não é ser autónomo dos Estados Unidos, é sobretudo ser responsável pelo seu destino. Acresce que estas transições, que tinham custos a médio prazo, agora vão tê-los a muito curto. Os líderes europeus sabem isso. O que ainda não sabemos é até quando e até quanto, estarão os europeus disponíveis para apoiar os ucranianos. Por isso é que manter a solidariedade é tão politicamente importante. Mantém a disponibilidade.
Consultor em assuntos europeus