O embate polémico entre o 'self made man' e o MBA

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Esta semana tornaram-se mais do que adversários eleitorais. Bruno Carvalho e Luís Filipe Vieira teceram - e tecerão - armas jurídicas, tornando as eleições do Benfica de hoje num dos sufrágios mais polémicos de sempre da história do clube, adivinhando-se para o Estádio da Luz um ambiente de cortar à faca. "Foi uma semana entre a raiva e a desilusão", diz quem tem acompanhado o presidente demissionário do Benfica. O stress resultante da tensão de um processo eleitoral que se esperava pacífico foi indisfarçável. "Picado, torna-se imparável e colérico", diz quem conhece Vieira e o seguiu nas últimas 48 horas. Perante a adversidade, gesticulou largo, verbalizou em vernáculo puro e duro, defendeu-se com a agressividade de quem cresceu na rua e nunca precisou de resposta sofisticada para passar de empregado a patrão, de dirigente de um clube regional, o Alverca, a líder do Benfica. "São uns garotos, uns garotões" dirigiu-se assim, sem rodeios, ao adversário, em Évora, perante uma plateia de benfiquistas estupefacta com a guerra de advogados em que se transformaram estas eleições.

Bruno Carvalho, 20 anos mais novo, era até há dias um desconhecido benfiquista. Os amigos ressaltam nele "a determinação e a coragem com que se preparou para a campanha e para a dura batalha jurídica". Coragem "até física" porque, dizem, "é complicado enfrentar esta situação, conhecendo nós o défice democrático que existe no clube e a facilidade com que se podem manipular as emoções". Bruno Carvalho "gosta de desafios", dizem-nos.

Luís Filipe Vieira é um desafio muito difícil. Subiu a pulso, por força de "ambição e capacidade intuitiva". Domingos Soares de Oliveira, o seu braço-direito na gestão do clube, descreve-o como alguém que é preciso saber levar - "há que escolher o momento certo e usar de alguma argúcia para lhe fazer ver pontos de vista que não coincidem com os dele" - por força de "convicções fortes" que resistem a tudo e a todos, até aos conselhos mais básicos dos especialistas da imagem. "Todos lhe dizem que ganhava imenso se cortasse o bigode mas é uma luta perdida, até para o próprio filho", especifica, lembrando a fidelidade de Vieira ao barbeiro de sempre e aos fatos Zegna e Saccor.

Começou muito cedo a trabalhar, logo depois do exame da quarta classe, como recepcionista de uma empresa de pneus. Rapidamente progrediu, transformando-se num empresário do ramo, interesse mais tarde alargado à construção civil, tendo hoje uma das mais importantes empresas nacionais da área. "Vendedor notável", mérito que valeu a alcunha de Kadhafi, lamenta ter deixado a escola cedo. "Infelizmente tive de deixar os estudos e ajudar o meu pai." Vivia então numa casa de lusalite, em Benfica, "quente no Verão e fria no Inverno", diria mais tarde, muito longe da vivenda de hoje, na Costa de Caparica.

Tal como Vieira, Bruno Carvalho é filho único, mas as coincidências ficam por aqui. Nasceu em Bissau, em 1969, cumpria o pai o serviço militar, mas cedo foi viver para a cidade do Porto, onde a família fixaria residência nos anos 70, quando o avô materno, António Baptista da Costa, jogador da equipa principal do Benfica nos anos 20, trocou Lisboa pela Invicta. Filho de um engenheiro civil e de uma bióloga, viveu sempre confortavelmente. Frequentou o colégio luso-francês, e estudou nos antigos liceus Carolina Michaëlis e Filipa de Vilhena.

Bem sucedido socialmente, frequentador assíduo de discotecas, apaixonado por motos e apreciador dos The Sound, The Smiths e Siouxsie and the Banshees, perdeu na faculdade a fama de aluno brilhante, conquistada no tempo do secundário. Mesmo assim, licenciou-se com média de 13 na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, a que se seguiu um MBA em Marketing pela Cardiff Business School. Com 23 anos trabalhou no BPI, banco de investimentos. Saiu ao fim de três anos, para lançar a internacionalização de uma marca de roupa.

Abriu 50 lojas. Depois, fundou o seu próprio negócio, também na área da roupa, que venderia para se ligar, primeiro, à NTV, actual RTPN, e, mais tarde à Porto Canal, de que é administrador e director-geral. Profissionalmente, acha-se "rigoroso e meticuloso até à obsessão". Como pessoa, "um homem acima de tudo tolerante".

O amigo Rui Casais descreve-o como "um perfeccionista", "ponderado" e garante que esta candidatura não "é o desejo de um rapazinho mas sim "o resultado de uma reflexão e de um projecto para o clube".

Vieira, o homem que "nunca dá uma negociação por encerrada", "que tenta sempre sacar mais um bocadinho mesmo depois de fechado o negócio" na definição de Domingos Soares de Oliveira, nasceu a 22 de Julho de 1945, em Lisboa. Cresceu e viveu grande parte da juventude no Bairro das Furnas, junto a Benfica. Os pais, um pedreiro e uma doméstica, deram ao único filho único uma infância remediada, "mas feliz", conta ele: "Recordo os meus primeiros chutos na bola no pátio da escola e principalmente a Lisboa antiga. Era um pouco travesso e os meus pais tinham de andar em cima de mim. Gostava muito de pregar umas partidas aos meus amigos." "Em criança e ainda hoje", acrescenta Carlos Móia, amigo e parceiro do jogging diário: "Ainda recentemente escondeu o dinheiro que um dos do grupo do jogging tinha levado para pagar a outro e tivemos que andar à procura dele." Domingos Soares de Oliveira reconhece-lhe "o gosto pelas brincadeiras de miúdos", a gargalhada "desconcertante, quase infantil", imagem que não se adivinha no sobrolho geralmente carregado e no rosto normalmente fechado do candidato.

Em 10 de Novembro de 2002, foi eleito como 33.º presidente do Benfica. Reeleito para um segundo mandato a 27 de Outubro de 2006, demitiu-se em Junho passado, provocando eleições antecipadas. Destina os próximos três anos "às vitórias desportivas". Católico não praticante, aposta no "trabalho, dedicação e perseverança". Lida "violentamente" com "a hipocrisia, a demagogia e o oportunismo". Elogia a "sinceridade e a amizade" mas pelo caminho foi perdendo amigos: Vítor Santos, Paulo Barbosa, António Simões, José Veiga e, à cabeça, Pinto da Costa. Com este entrou numa guerra dura: o "Apito Dourado". "A maior guerra da sua carreira custou-lhe muitos dissabores, alguns privados e particulares mas nunca desistiu nem nunca se deu por vencido." Domingos Soares de Oliveira admite, no entanto, que não é fácil ser amigo do dirigente: "Pode, por vezes, magoar os amigos porque nunca tem papas na língua." Nem gosta de ser enganado: "Detesto que me estejam 'a dar música' ou me tentem enrolar."

Vieira tem dois filhos, Bruno Carvalho, três. Três rapazes benfiquistas, apesar de viverem no Porto e de "não ser fácil convencer crianças a aderirem a equipas que não ganham", conta o pai babado.

"Quando era miúdo havia muitos benfiquistas no Porto porque o Benfica ganhava. Agora não ganha nada". Agnóstico, acredita que pode devolver "a esperança" aos sócios. Como reage a quem lhe chama oportunista? "Não me magoam. Quem entra nestas guerras tem que estar preparado para ouvir isso".

Guerras que o amigo Rui Casais diz não atemorizarem o amigo: "Ele sabe que neste momento tem a integridade física em risco. Sabe que pode ser agredido, mas que ninguém pense que recuará um centímetro no que entende ser melhor para o clube."

Sobre críticas, Luís Filipe Vieira: "Ao contrário do que muitos julgam, eu sou sensível à crítica, mas apenas à que é produzida de forma construtiva e séria." Dói-lhe quando desmerecem o papel dele na construção do estádio. "Foi a melhor decisão que tomei como presidente do Benfica." Em contrapartida, arrepende-se do despedimento de Fernando Santos, a decisão mais dolorosa tomada no gabinete presidencial, com vista para o relvado. Domingos Soares de Oliveira, que assistiu ao processo, conta: "Foi uma decisão solitária, José Veiga já tinha saído e Rui Costa ainda era jogador. Sei que está arrependido da decisão."

É viciado em carros topo de gama e colecciona-os. Corre diariamente e impõe-se a dietas que raramente cumpre, depois de ter sido obrigado a largar o tabaco. Livra-se do stress "a rir com as anedotas que os amigos lhe contam ou a jogar cartas com os amigos". Aprecia a música de António Calvário e Paulo de Carvalho.

Bruno Carvalho é benfiquista por influência do avô, que foi também presidente do Boavista.

Com Vieira, todos os caminhos iam dar à Luz. Pais benfiquistas e, além disso, "cresci em Benfica e essa proximidade também teve alguma influência e aos domingos era costume irmos em romaria até à Luz para vermos os nossos ídolos da altura", diz, admirador de Joaquim Ferreira Bugalho, Borges Coutinho, Jorge de Brito e o "meu amigo Fernando Martins". E sobre Fernando Martins, diz Bruno Carvalho: "Foi o último grande presidente do Benfica."

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