O efeito Casa de Papel: a invasão da ficção espanhola

<em>A Casa de Papel</em> é a série em língua não inglesa mais vista na Netflix. Mas o sucesso do assalto à Casa da Moeda impulsionou a ficção espanhola - recuperando séries antigas e produzindo novas histórias
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Fiquem descansados os fãs. Os atores de A Casa de Papel já estão a trabalhar na terceira temporada da série. A Netflix já tinha anunciado que a terceira temporada iria estrear em 2019, mas nesta semana divulgou um vídeo onde, ao som de Bella Ciao, mostra o elenco a voltar ao trabalho. Ainda não com os seus fatos-macacos vermelhos mas já com os papéis nas mãos e as falas a serem decoradas.

A Casa de Papel foi o fenómeno televisivo de 2017. Estreada em maio no canal espanhol Antena 3, a série não chegou a ter 1,8 milhões de espectadores, o que é um número considerado discreto para o prime time em Espanha. Mas a chegada à plataforma de streaming Netflix (na versão original e em inglês) antes do final do ano transformou-a num sucesso em países como França, Itália, Argentina, Brasil e Turquia. Em abril, a Netflix anunciou que A Casa de Papel era a série não inglesa mais vista de sempre naquela plataforma.

De então para cá, tornou-se normal ouvir falar espanhol numa série de televisão. E também estarmos todos a falar de séries espanholas. Por exemplo, em agosto, a Netflix estreou Fariña, uma produção original da Artesmedia Televisión, a mesma produtora da série sobre o assalto à Casa da Moeda. Esta decorre nos anos 1980 e mostra o crescimento do tráfico de droga na Galiza. No início deste mês, estreou Elite, que tem como ponto de partida o conflito entre classes numa escola de elite em Espanha (e já se fala numa segunda temporada).

Entretanto, a Netflix anunciou uma nova série original, High Seals (Mar Alto), uma série de mistério cuja primeira temporada, com apenas oito episódios, vai estrear-se em 2019. A ação passa-se nos anos 1940 e irá acompanhar as aventuras de duas irmãs que viajam num transatlântico para a América do Sul em busca de uma vida melhor. Esta será a quarta série original da Netflix em espanhol - a primeira foi As Telefonistas, que estreou-se em abril de 2017. Também a HBO Espanha vai produzir no próximo a sua primeira série, Pátria, adaptando o livro escrito por Fernando Aramburu sobre a vida no País Basco sob o terrorismo da ETA. A estreia deverá acontecer só em 2020. E o YouTube Premium anunciou que vai começar a produzir em espanhol (embora para já ainda só tenha revelado nomes mexicanos, como o ator Gael García Bernal).

Sempre a crescer

"Temos bons filmes e boas séries há décadas e é uma junção de boas decisões e coincidências que nos permite ter sucesso agora: argumento, realização, atores, música, edição, tudo o que faz série. Se vemos séries suecas porque não em espanhol?", pergunta Javier Rioyo, diretor do Instituto Cervantes em Portugal e ele próprio realizador. "Todos nós desejamos que o fenómeno de A Casa de Papel tenha continuidade em outros, não necessariamente usando a mesma fórmula. Muitos géneros diferentes estão sendo gravados, estou convencido de que aquela porta aberta ajudará aqueles que têm essa conta e qualidade."

Não sejamos injustos. Antes de A Casa de Papel já havia ficção televisiva espanhola a dar cartas por aí. E nem é preciso recuar até ao Verão Azul, ainda nos anos de 1980 - que teve tanto sucesso em Portugal - para encontrar séries espanholas que chamaram a atenção do mundo. Los Misterios de Laura (TVE, 2009-2014) transformou-se na produção americana The Mysteries of Laura, com Debra Messing a interpretar o papel da detetive Laura Diamond - é essa a versão que passa em Portugal na Fox Life. E a comédia negra adolescente Pulseras Rojas (NBC, 2012-2013) deu origem a Red Band Society, produzida por Steven Spielberg, que passou na Fox .

Este é um caminho que vem sendo percorrido ao longo da última década. De acordo com a Federação de Associações de Produtores Audiovisuais de Espanha, as vendas internacionais da indústria televisiva espanhola superaram em 2015 os 46 milhões de euros (mais 16% do que no ano anterior, mais 21% do que em 2009).

Mas o que está a acontecer cada vez mais, e é novidade, é que a ficção espanhola está a chegar a públicos diferentes na sua versão original, sem necessidade de dobragem nem remakes.

A importância do streaming

Segundo os especialistas, o fenómeno tem dois tipos de causas: por um lado, uma crescente qualidade e diversidade da ficção feita em Espanha; por outro lado, o aparecimento de operadores de distribuição globais, como Hulu, HBO, Amazon ou Netflix. A multiplicação dos canais disponíveis através da internet permite chegar a um público mais vasto - que vê o que quer, independentemente do que lhe oferece os canais abertos e dos seus horários rígidos.

As plataformas de streaming também permitem encontrar nichos de audiência que não estavam a ser explorados e fez-nos descobrir que, afinal, a ficção espanhola não se limita aos dramas familiares - como El Secreto de Puente Viejo (em exibição desde 2011) ou Amar em Tiempos Revueltos (desde 2005). E que ver séries faladas em espanhol não significa só ver dramas telenovelescos da América do Sul.

Por exemplo, hoje em dia, não é possível falar do sucesso da ficção espanhola sem falar de El Ministério del Tiempo, que estreou em fevereiro de 2015 na TVE1. Criada por Javier e Pablo Olivares, esta série de fantasia explora a possibilidade de viajar no tempo. A história deu origem a livros de banda desenhada, jogos de mesa, podcasts de rádio e, nas duas primeiras temporadas, alguns episódios chegaram a ter dois milhões de espectadores. Mas na terceira temporada as coisas não correram tão bem e a série terminou. Porém, com a chegada à Netflix, em março deste ano, Viagem no Tempo voltou a ter uma nova vida sendo exibida em 190 países.

Antes disso, já tinha havido El Tiempo entre Costuras, série histórica produzida pela Boomerang para a Antena 3, onde estreou em outubro de 2013 com mais de 5 milhões de espectadores - transformando-se na série mais vista no canal em 12 anos. Em Portugal, a série que nos leva para a década de 1930 passou quase despercebida na TVI em 2014, mas foi descoberta por muitos mais espectadores quando em novembro do ano passado chegou à Netflix.

Outro caso é de Vis a Vis. A série espanhola foi produzida pela Globomedia para a Antena 3, onde estreou em abril de 2015, e tem como personagem central Maca, uma jovem que é enviada para a prisão, um pouco ao estilo Orange Is the New Black. Depois de duas temporadas, a série foi cancelada pela Antena 3 e adotada pela Fox Espanha que, já neste ano, produziu a terceira temporada que chegou a Portugal com o título As Detidas, estreando em junho deste ano. Uma das particularidades: o argumentista é Álex Pina, o mesmo de A Casa de Papel, assim como parte da equipa criativa.

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