O divertimento solitário do realizador Pedro Almodóvar
"Oxalá a emoção permaneça na foto emoldurada, mas realmente basta-me que estas fotos sejam decorativas, que acompanhem os seus donos, que vivam com eles, e sejam testemunhas das suas vidas", escreve Pedro Almodóvar sobre as suas fotografias, composições de flores frescas, cerâmicas de vários tamanhos e cores - algumas bem almodovarianas - livros e frutas que protagonizam as suas fotografias. Até Pepito, o gato branco do realizador espanhol, foi cúmplice numa das imagens que figuram na exposição patente na galeria Marlborough, em Madrid. Valem entre 1300 e 1900 euros.
"Nota-se que está mais confiante. Vejo-o mais luminoso, mais ousado nos formatos". É a opinião não especializada, mas conhecedora, da atriz Rosy de Palma, chica Almodóvar dos tempos de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), na inauguração da na exposição na quinta-feira.
Sabe-o porque este na sua estreia, na Fresh Gallery, em setembro, quando pela primeira (e com fins de beneficência) revelou este hobby. "Sou fã desta faceta do Pedro e do facto de que esteja solitário em casa, a escrever, e escolha estes objetos fetichistas entre os milhares que tem", explica. "Estou à espera que use um objeto que lhe fiz e o incruste num deles", remata.
É um ambiente doméstico o que retrata, explica a diretora da Marlborough, curadora da exposição. "São objetos que estão diariamente na sua casa. Os seus livros, souvenirs, o gato, as flores que marcam a passagem do tempo, tão importante no cinema e nestas vidas interrompidas", afirma Belén Herrera Ottino.
Escreve o realizador: "Para começar a fazer fotos em casa e que a prática te vicie é preciso sentir-se só. Só naquele tipo de momentos em que podemos observar a luz que entra pela janela da cozinha e que o espetáculo te absorva até ao ponto de ir buscar uma câmara fotográfica e tentar capturar esse momento e essa luz". As imagens foram captadas enquanto escrevia o guião do próximo filme, Dolor y Gloria.
A diretora nota que está aqui quase toda a produção de Pedro Almodóvar, que descobriu há pouco mais de um ano. "Vi uma fotografia e acreditei ser de um artista realista que ele tanto gosta, mas reconheceu-me, com humildade, que era dele". São 27 naturezas mortas, um termo que o cineasta, 68 anos, não considera tão correto como o inglês, still life. "Os objetos estão sempre vivos, o mesmo acontece com a luz, no sentido em que são suscetíveis à passagem do tempo".
Vida Detenida acabaria por ser o título da exposição, que gerou curiosidade no mesmo momento em que foi anunciada. "É o grande realizador de cinema espanhol e essa admiração que temos pelo seu cinema e espero que também aconteça com o fotógrafo."
Almodóvar usa muitas vezes o mesmo lugar como cenário: uma bancada junto a uma parede azul com uma tomada de eletricidade. "Tinha de a usar. Estava ali". Essa curta explicação ao DN e um "estou muito contente" foram as únicas concessões do realizador ao plano de não falar à imprensa na inauguração, gorando as expectativas dos que queriam conhecer a sua opinião sobre o novo ministro da Cultura, Màxim Huerta, jornalista e antigo apresentador de day time da Telecinco espanhola.