O discreto ano de Ricardo Robles depois de a casa vir abaixo
De camisa branca, calças azul-escuras, Ricardo serve-se de legumes para um prato vermelho. Há gente em volta, alguns miúdos e um fotógrafo, junto ao buffet improvisado na Escola Básica Sarah Affonso, na freguesia dos Olivais, em Lisboa, onde o então vereador da Educação e dos Direitos Sociais da Câmara Municipal de Lisboa tinha assinado um protocolo para implementar um plano alimentar nas escolas de Lisboa para garantir às crianças refeições escolares mais saudáveis e confecionadas no local.
É esta a última foto que Ricardo Robles partilhou na sua conta do Instagram, em 20 de julho de 2018, antes de a casa vir abaixo: no dia 27 é revelada a tentativa de venda por 5,7 milhões de euros por Robles e a sua irmã de um prédio que reabilitaram, que tinham adquirido num leilão da Segurança Social por 347 mil euros. Três dias depois demitiu-se.
instagramhttps://www.instagram.com/p/BlcgTTbAE38/
O vereador bloquista ainda resistiu à saída. "Não há nada de reprovável na minha conduta", disse, na sua primeira reação pública, explicando que iria arrendar todas as frações de que era proprietário. O problema é que o Robles político censuraria o Robles proprietário, acusando-o de especulação.
O Bloco de Esquerda ainda ensaiou uma defesa do seu vereador, mas no dia 30 de julho Ricardo Robles anunciou a saída. "Informei ontem, domingo, a coordenadora da comissão política do Bloco de Esquerda da minha intenção de renunciar aos cargos de vereador na Câmara Municipal de Lisboa e de membro da comissão coordenadora concelhia de Lisboa do Bloco de Esquerda", escreveu. E Robles iniciou então uma longa travessia no deserto.
Foi o fim da idade da inocência para o Bloco de Esquerda, o primeiro caso que atingiu as fundações do seu discurso político - naqueles dias, não havia quem não se cruzasse com cartazes do Bloco de Esquerda a proclamar-se "contra os despejos" e a defender outra política de habitação para as cidades - e fez mossa nas sondagens (mas que não se repercutiriam nas eleições europeias, de maio deste ano).
Este caso foi a queda abrupta para o engenheiro civil de olhos claros. A sua "opção privada, forçada por constrangimentos familiares", como se defendeu, tornada "num problema político real" para o partido, obrigou-o a um afastamento sabático e longo da atividade político-partidária, longe de qualquer holofote mediático.
Robles só deixou esta sombra por duas vezes durante este tempo. Primeiro, apareceu no Teatro Thalia, em Lisboa, em 26 de maio deste ano, na noite eleitoral das europeias, surpreendendo presentes e levantando dúvidas a alguns sobre a oportunidade de surgir num palco assim.
Entrou e saiu discretamente, como no passado dia 17 de julho numa homenagem a João Semedo, um ano depois da morte do antigo líder do BE. Nada mais.
Os contactos do DN esbarraram nesta vontade de continuar assim: longe de holofotes, microfones e telefonemas. O ex-vereador não respondeu.
Ao longo do ano, Ricardo Amaral Robles, 42 anos, voltou à sua profissão, engenheiro civil por conta própria. Antes de ser eleito vereador pelo Bloco de Esquerda, em 2017, era perito qualificado pela Adene - Agência para a Energia para realizar avaliações energéticas de edifícios, atestando a sua eficiência e fazendo propostas para eventuais melhorias.
Nas redes sociais, o luto foi mais curto. No Facebook ou no Instagram, Ricardo Robles não desistiu de ir apresentando as propostas, ideias e convicções do Bloco de Esquerda, partilhando mensagens do partido ou de militantes, pouco escrevendo por si, preferindo socorrer-se da escrita de camaradas seus sobre os diferentes temas, sobretudo no Facebook.
Nesta rede social, o ex-vereador de Lisboa não enjeitou o seu empenho no apoio às várias iniciativas do Bloco de Esquerda.
Na sua página do Facebook, em 31 de julho de 2018, Robles reagia ainda a mais uma manchete sobre o caso do prédio, garantindo que era "mentira" que tivesse escapado a qualquer "imposto Mortágua". Entre este abalo que atingiu a sua carreira política e respirar de novo passou um mês exato: no dia 31 de agosto, promovia o Fórum Socialismo, o evento anual com que o BE retoma a atividade partidária depois das férias de verão. E a 8 de setembro deixava o elogio à bloquista Helena Lopes da Silva, médica que morreu nesse dia: "Uma mulher de muitas lutas."
No seu Instagram, Ricardo demorou mais tempo a retomar a atividade. A 27 de outubro de 2018 partilhou uma foto de Sebastião Salgado, para deixar a nota de esperança que Haddad seria eleito presidente do Brasil. Alguém regista: "Voltaste."
Voltou, com fotos espaçadas, de animais, graffiti, bicicletas, o seu Benfica e momentos de lazer - e a política, claro. No dia 8 de março partilhou uma foto de mais uma iniciativa do BE para o Dia Internacional da Mulher e a 17 desse mês divulga um cartaz bloquista de apoio a Marisa Matias.
Há três dias publicou a imagem de um bode, com uma legenda humorada: "#conservativeleader". Alguém pergunta se se chama Boris Johnson, o novo primeiro-ministro britânico, e Robles replica, "Bodis".
facebookhttps://www.instagram.com/p/B0TQGQzlbq8/
Hoje como há um ano, os tuk-tuks estão parados defronte do prédio da família Robles. Mas hoje o prédio está habitado (sem indicação alguma de "alojamento local") e com três lojas novas no rés-do-chão, uma de roupas, tapetes e mantas, outra de azulejos e uma terceira de T-shirts. Nas estreitas varandas, há estendais e bancos e mesinhas.
Só não há sinal das pichagens com que há um ano pintaram o prédio, usando uma palavra de ordem bloquista: "Aqui podia morar gente." Um amargo de boca para o bloquista, que acabou desalojado da política.