"O direito do desporto é cinzento, não é vermelho, azul ou verde"

José Manuel Meirim, presidente do Conselho de Disciplina, vai coordenar uma pós-graduação em Direito Desportivo destinado a agentes desportivos
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Em abril deste ano foi apresentada pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) a Portugal Football School (PFS), um projeto inovador que visa a formação de agentes desportivos como jogadores, dirigentes, treinadores, árbitros, meios de comunicação social e profissionais de saúde juntamente com estabelecimentos de ensino.

Agora, a PFS, em parceria com a Universidade Católica, vai realizar a segunda edição da pós-graduação em Direito do Desporto, que será coordenada pelo presidente do Conselho de Disciplina, José Manuel Meirim. E aqui entramos num domínio complexo, principalmente quando falamos de justiça desportiva. "É um espaço aberto, não há limite de inscrições. A FPF, através da sua vertente de investigação que é a PFS, vem dar projeção ao curso e, nos diversos domínios da ciência, tentar otimizar conhecimento que redunde em favor do futebol", explica José Manuel Meirim ao DN, garantindo haver uma intenção e preocupação em "explicar melhor as leis". Mas o obstáculo para os alunos desta pós-graduação, como para qualquer disciplina de Direito, é constante. "A questão das leis, dos regulamentos, é sempre a mesma. É um texto escrito que tem força de lei, é como interpretar aqui e acolá um romance ou uma novela. Por vezes, há textos escritos com força de lei e que são poemas complicados. Há um problema claro e geral da linguagem jurídica. É possível simplificá-la. O contributo que pode ter um curso deste é ler e dar resultado dessa leitura jurídica. E ao fazer isso tem um segundo passo, demonstrar os erros e as imperfeições, que são coisas permanentes, não há volta a dar. O texto escrito tem de ser lido. E o nosso direito é um direito escrito, há que interpretar o que está ali", diz José Manuel Meirim, que não concorda muito com a ideia de que é mais difícil ser independente na justiça desportiva: "Eu não sofro pressões de ninguém, a pós-graduação na parte que me toca passa por chamar a atenção, porque o direito é uma coisa cinzenta, não é colorido. O direito do desporto é cinzento, como o direito não é colorido. Não é vermelho, azul ou verde, mas há juristas vermelhos, azuis e verdes. Tudo tem que ver com a postura da pessoa. Acredito que possa haver mais pressão na justiça do desporto, mas no meu caso não há pressão nenhuma. O jurista que decide tem um clube, sou simpatizante do Benfica, afirmei-o em 2006 quando me pronunciei contra o Benfica por causa do acesso à Liga dos Campeões do FC Porto."

No desporto em geral, principalmente no futebol, nota-se uma grande atividade das redes sociais em relação ao fenómeno, mas esse não é um fator a ter em conta, segundo o presidente do Conselho de Disciplina, nem pode levar a justiça desportiva a acelerar deliberações. "Acelerar o quê? Não há celeridade que resista quando os factos acontecem ao sábado e ao domingo e está tudo a ser resolvido de uma forma popular nas redes sociais. O direito não pode andar atrás das redes sociais, que são coloridas", salienta o jurista que, nesta conversa com o DN, realça que alguns dos assuntos quentes da justiça desportiva, como o caso dos e-mails ou dos vouchers, podem ser alvo de tudo pelos alunos deste curso, cuja primeira edição, ainda apenas sob tutela exclusiva da Universidade Católica, contou com 34 inscritos. "O caso dos e-mails está ao nível da instrução, por isso não falarei no curso. Dos vouchers já houve decisões anteriores a mim, decisões do TAD, eles têm esses exemplos para estudar. Tudo o que são decisões públicas do Conselho Disciplina podem ser obviamente fruto da leitura crítica de todos os alunos", garante José Manuel Meirim, que de 10 de novembro a 14 de abril vai coordenar esta pós-graduação dividida em oito módulos.

Melhores dirigentes

André Seabra, diretor da PFS, destaca o facto de liderar um "projeto inovador" que visa a "investigação e desenvolvimento". A PFS existe para proporcionar uma "oferta formativa alargada, para que exista um futebol melhor, a mais agentes, como jogadores e dirigentes e não só apenas a treinadores e árbitros". Também por isso, a PFS tem como objetivo obrigar a que cada clube dos escalões profissionais tenha um formando no seus quadros em 2020. "Criámos internamente três níveis de formação para os dirigentes e penso que em 2020 seremos capazes de dar resposta a esse compromisso", afirma convicto André Seabra, que não vê nos clubes com menos boas relações com a FPF um eventual boicote a esta iniciativa. "Não acredito que isso aconteça até porque os conteúdos programáticos destes cursos vão exatamente ao encontro dos interesses dos dirigentes independentemente do clube; maior competência para a sua função, educação e formação", refere André Seabra, que destaca o facto de "pela primeira vez a FPF estar preocupada com os dirigentes". E complementa: "Não temos maus dirigentes, não tivemos foi durante anos a preocupação de dar mais competências e conhecimento aos dirigentes, e eu sinto que eles estão preocupados na aquisição deste conhecimento. No nosso curso de dirigentes cobrimos uma diversidade de matérias que são do interesse de todos os que participam no futebol. O feedback que tenho é que isto é verdadeiramente algo que os dirigentes andavam à procura." Perante isto, o docente augura: "Vamos ter melhores dirigentes, para quem acreditar na formação e na educação."

O projeto da PFS, que funciona com estabelecimentos de parcerias com outras universidades, tem sido, segundo André Seabra, muito procurado por "várias universidades", o que vai levar ao surgimento de mais cursos.

No que diz respeito à curiosidade exterior, outras federações, portuguesas e estrangeiras, têm mostrado interesse "até pelo pioneirismos de esta unidade estar integrada no seio de uma federação", conclui.

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