O direito à crítica e o Ministério Público
Desde a queda do governo que o País vive num clima de conflitualidade política mais presente. Os cidadãos mantêm a sua desconfiança nas instituições políticas por desconfiança nos seus representantes.
O corolário dessa desconfiança será a novela das gémeas que decorre à volta do Presidente da República, envolvendo as suas relações institucionais e, pior do que isso, as suas relações familiares. Podíamos estar perante um caso encerrado se, assim que o assunto foi denunciado, toda a verdade tivesse sido conhecida. Seria um caso de "cunha" semelhante aos milhares que acontecerão no dia-a-dia português, com a nuance de envolver a mais alta figura da Nação. Foi Marcelo Rebelo de Sousa que, gostando de falar muito e de tudo, não foi capaz de o fazer neste caso, clarificando e assumindo o seu papel no assunto ou o dos que à sua volta agem em seu nome.
Outra das instituições que tem estado no foco da opinião pública é a Procuradora-Geral da República. O facto de existirem inquéritos a decorrer envolvendo o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, sem que se saiba bem o nível de gravidade envolvida nesses inquéritos e se suponha que serão de muito baixa gravidade, remete-nos para um justicialismo sem sentido e demasiado marginal num estado democrático. Estes casos que envolvem a queda do governo e colocam em causa o Presidente da República têm levado políticos e jornalistas a criticarem a atuação do Ministério Público, o que desencadeou entre os pensam vir a ser grandes beneficiados pela antecipação das eleições uma crítica inversa de que se não pode criticar a instituição Ministério Público. Em democracia pode criticar-se tudo e questionar tudo. Esta instituição não tem um estatuto de proteção superior ao dos mais altos cargos políticos da Nação. Todos os dias alguém critica o Presidente, o Primeiro-Ministro e a sua equipa, os membros da Assembleia da República, outros altos dignatários em funções públicas. Porque não se pode então criticar o Ministério Público e em particular a sua dirigente máxima, quando, por insuficiência de informação, estamos perante uma queda injustificada do governo e consequentemente da Assembleia da República?
Precisamos de maior clareza na atuação dos principais representantes da sociedade civil. Não podemos passar às novas gerações o sentido de justiça, de democracia, de ética, de moral, se não formos capazes de construir uma sociedade onde a liberdade e a igualdade estão presentes na forma como vivemos e como nos comportamos. Nenhuma instituição pode desempenhar cabalmente a sua missão, se quem a dirige não tiver presente os princípios já enunciados da vida em sociedade e isso só se consegue se cada um dos que têm missões públicas forem capazes de as fazer com independência e com escrutínio público, que se faz através da transparência e da crítica.
Nesta amálgama de confusão judiciária e política a que temos assistido, esteve bem António Costa ao demitir-se sem acusação, permitindo ab initio a clarificação da sua suposta intervenção no suposto processo, onde é investigado.