O direito à ciência

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Na semana que passou, decorreu em Andorra a XXVII Cimeira Ibero-americana, desta vez num modelo misto, mas em que os mais altos representantes de Espanha e Portugal marcaram presença, assim como da Guatemala, anterior presidência da Comunidade Ibero-americana, e da República Dominicana, que recebe essa responsabilidade do país anfitrião.

O tema da Cimeira, definido ainda antes da pandemia, não poderia ser mais adequado: inovação para o desenvolvimento sustentável. Na verdade, o maior esforço realizado em pouco mais de um ano foi a inovação e a pesquisa, que permitiram dispormos de vacinas num tempo invulgarmente curto. Ainda no verão do ano passado, não havia garantia de se conseguir uma vacina, enquanto agora temos à nossa frente um horizonte para alguns já desenhado. Importa, porém, não esquecer que as diferenças se tornaram mais visíveis e não sairemos todos da mesma forma desta crise. Como tem vindo a sublinhar o Secretário-Geral da OEI, Mariano Jabonero, a tecnologia e a digitalização podem acelerar a recuperação. Na região ibero-americana, o nível do PIB retrocedeu dez anos, o trabalho informal e precário, que vinha decrescendo, voltou a aumentar, o que retirou a esperança de uma vida digna a largas fatias da população.

Estas são razões suficientes para se entender que as respostas não podem ser individuais, nem mesmo nacionais. O tempo presente demonstrou a importância de nos apoiarmos mutuamente e serem implementadas estratégias regionais e globais. O multilateralismo tem-se revelado uma importante ferramenta, quando alguns o declaravam morto e sem préstimo. As organizações internacionais servem para encontrar consensos e, sobretudo, procurar em conjunto medidas que permitam avançar em áreas de que depende o nosso destino coletivo. A crise sanitária tornou mais urgentes medidas económicas, sociais e ambientais que acelerem a recuperação. A educação, a ciência e a inovação estão no topo das prioridades.

Termina hoje a terceira edição daquele que é considerado o maior fórum de ciência, tecnologia e inovação da América Latina e Caraíbas, que escolheu debater o papel destes domínios na pós-pandemia. Temas como a inteligência artificial, a economia digital, as alterações climáticas e o seu cruzamento com as políticas públicas apresentam-se como caminhos para construir uma nova normalidade que possa ser mais sólida e capaz de enfrentar próximas crises. Destaco outro tema central: a importância de uma ciência aberta que permita um acesso generalizado à informação científica.

A ciência, além de motor indispensável para o desenvolvimento, tem mais do que nunca impacto nas relações internacionais e na imagem dos países no cenário global. Nessa mesma medida, a prosperidade e o crescimento económico dos países dependem da capacidade de formar e atrair talentos nas áreas da ciência, da tecnologia e da inovação, enquanto vantagens competitivas na nova ordem global. Importa, pois, democratizar a ciência e torná-la cada vez mais inclusiva, de forma a garantir que os seus benefícios cheguem a todos. A cooperação científica bilateral, regional e multilateral tem de se estender a todas as regiões. Apesar de existir uma longa tradição de cooperação científica na comunidade ibero-americana, ainda não se conseguiu aproveitar todas as oportunidades e benefícios adicionais dessa colaboração que, cada vez mais, se pode e deve partilhar com outras comunidades com destaque para a CPLP, não só pela proximidade cultural, como pelos problemas idênticos que enfrentam.

Se a COVID-19 trouxe para primeiro plano a ciência e ficámos dependentes dela para sair da crise, o acesso às vacinas veio confirmar a desigualdade do mundo e a absoluta necessidade de a ciência, a tecnologia e a inovação serem uma prioridade de todos para todos.

Diretora em Portugalda Organização de Estados Ibero-americanos

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