O dia mais triste das frases em português

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Almocei com ele em 1987, numa das suas vindas a Lisboa. Eu quis pagar o almoço e ele não deixava. Insisti: "Se você soubesse quantas frases lhe roubei!" Ele, desarmando o argumento: "Se eu fosse pagar todas as frases que roubei..." Mas o almoço paguei eu e ainda deixei gorjeta: "Quem me lê pode vê-lo regularmente plagiado", confessei no artigo que escrevi sobre o nosso encontro. Mas contive-me e não citei uma das suas 8537 frases geniais: "Todo o homem nasce original e morre plágio."

Ontem foi um dia fácil para todas as redações dos jornais em língua portuguesa. Morreu Millôr. Não aconteceu aquela atrapalhação comum com morte de famoso. Quem conhecia o morto? Dá-se destaque à vida dele ou à obra?... Com Millôr a solução foi fácil, preparada de antemão e gostosa: "Ponham frases, muitas frases de Millôr Fernandes", disseram os chefes de redação de todo o mundo em português. Hoje, 29 de março de 2012, dia seguinte à morte de ontem, ficará como data em que os jornais em língua portuguesa têm a melhor média de grandes frases, mais cínicas e certeiras da história da Imprensa. Uma excitação de citações.

Sorte a sua, leitor, ter dose por atacado. Mas maior sorte foi a minha, viciando-me desde sempre ao debicar o seu português maravilhoso. Com ele deixei de gostar de anedotas, troquei-as por pílulas, assim: "Anatomia é uma coisa que os homens também têm, mas nas mulheres fica muito melhor." Assim: "O crime não compensa. Quando começa a compensar muda de nome"... Com ele, as frases hilariantes nunca são para risadinhas, assim: "O pior cego é o que quer ver."

Pensar que essa mestria da língua nasceu com tropeços ortográficos logo no batismo... Ele era para ser Milton, mas virou Millôr porque o escrivão torneou mal o "t" e o "n". Era filho de espanhol e o "z" aportuguesou-se... Detalhes, para quem tinha uma avó que se chamava Concetta di Napoli e era de Génova.

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