O dia em que a embaixadora dos EUA na ONU fez frente a Trump
Nikki Haley, então governadora da Carolina do Sul, apoiava o senador Marco Rubio na corrida à nomeação republicana e, quando este desistiu, pôs-se ao lado do senador Ted Cruz. A vitória nas primárias seria contudo de Donald Trump, e esta filha de imigrantes indianos chegou a alertar para o perigo que ele representaria para a diplomacia dos EUA, sugerindo que poderia causar uma guerra mundial. "Não sou fã", afirmou, acabando contudo por dizer que votaria nele.
As críticas acabaram quando foi nomeada pelo presidente para o cargo de embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, apesar de ter pouca experiência em temas internacionais. Na ONU, que irá deixar no final do ano, tornou-se uma das mais ferozes defensoras da administração de Trump.
Logo no discurso inicial, a embaixadora de 46 anos começou por avisar que a relação dos EUA com a organização ia entrar numa nova fase (nomeadamente ao nível das contribuições monetárias) e que Washington ia "anotar" os nomes dos seus críticos.
"Foi uma bênção ir para a ONU todos os dias com uma armadura", disse Haley, alegando que o seu trabalho era defender os EUA no palco mundial.
Qualquer inexperiência foi esquecida quando negociou com sucesso as sanções contra a Coreia do Norte, convencendo China e Rússia, tradicionais aliados de Pyongyang. Na ONU, foi uma forte crítica da Rússia e da Síria, condenando também o que considerava uma tendência "anti-israelita" dentro do organismo. No cargo, liderou também a saída dos EUA do Conselho de Direitos Humanos.
Mas, apesar de defender a administração, nunca perdeu a sua voz - de facto, uma das razões para ter aceitado o cargo foi ter liberdade para dizer o que pensava nos temas do dia-a-dia (algo que lembrou na carta de demissão, agradecendo a Trump por ter permitido que assim fosse). Logo no início do mandato do presidente, por exemplo, considerou a interferência da Rússia nas eleições norte-americanas como um ato de guerra. E também chegou a defender que as mulheres que acusavam Trump de alegados abusos sexuais "devem ser ouvidas".
Mas o momento mais crítico na relação com o presidente surgiu em abril deste ano. Tudo começou quando, num programa de televisão dominical, Haley anunciou que no dia seguinte seriam aprovadas novas sanções económicas contra a Rússia, devido ao seu contínuo apoio ao presidente sírio Bashar al-Assad. Algo de que Trump não terá gostado.
Passaram mais de 24 horas até a Casa Branca dizer que não tinha sido tomada uma decisão - muitos falaram numa mudança de posição de Trump - e as sanções nunca apareceram. Houve quem quisesse passar a culpa para Haley, com o conselheiro económico Larry Kudlow a falar numa "confusão momentânea" da embaixadora. Ela respondeu à letra: "Com todo o respeito, eu não me confundo." Kudlow pediu-lhe desculpa depois.
Trump, na hora de anunciar a saída de Haley, falou nela como uma amiga. E disse que ela é "fantástica" e "incrível", deixando a porta aberta para que possa ocupar no futuro outro cargo na administração.
"Eu não concordo com o presidente em tudo", escreveu a embaixadora num artigo no The Washington Post. "Quando há desacordo, há uma forma correta e uma forma incorreta de lidar com isso. Eu pego no telefone e telefono-lhe ou encontro-me com ele em pessoa", acrescentou, criticando o alto funcionário da administração que atacou o presidente numa carta anónima publicada no The New York Times.
Mas se antes tinha a porta aberta da Sala Oval e era frequente chamar mais a atenção do que o então patrão, o secretário de Estado Rex Tillerson (com quem por vezes entrava em conflito), a demissão deste e a ida de Mike Pompeo para a diplomacia dos EUA mudaram as coisas. Da mesma forma, o facto de o ex-embaixador dos EUA para a ONU John Bolton se ter tornado conselheiro de segurança nacional do presidente também desviou o holofote de Haley.
A embaixadora disse contudo que sai por ser uma "forte apoiante de limite de mandatos" e por acreditar que "a rotação de cargos beneficia o público". Haley lembrou que entre ser governadora da Carolina do Sul e embaixadora da ONU está em cargos públicos há 14 anos. "Como homem de negócios, espero que aprecie o meu sentimento de achar que sair do governo e regressar ao setor privado não é um passo atrás, mas um passo em frente", escreveu na carta de demissão que enviou a Trump.
A ambição política de Haley e os rumores de que procurava uma candidatura presidencial em 2020 (talvez numa dupla com o atual vice-presidente Mike Pence) também não terão sido bem recebidos por Trump. De tal forma que, nessa mesma carta de demissão, se referiu a eles. "Espero continuar a falar de tempos a tempos sobre importantes temas de política pública, mas certamente não serei candidata a qualquer cargo em 2020. Enquanto cidadã privada, espero apoiar a sua reeleição enquanto presidente e apoiar as políticas que vão continuar a mover o nosso grande país", escreveu.
Mas não disse nada sobre as eleições de 2024, com a agência AP a dizer que há especulações de que a sua saída surge agora para preservar o seu futuro político. "A Nikki Haley tem um futuro brilhante e será um jogador-chave no futuro tanto do Partido Republicano como da nossa nação como um todo nos anos que virão", escreveu no Twitter o senador da Carolina do Sul, Lindsey Graham, próximo de Trump.