O desordenamento do território
Quatro anos passados sobre a tragédia de Pedrógão, muito pouco mudou. Obrigou-se uns desgraçados a cortar as árvores de fruto que lhes davam algum alento, outros a criar carreiros e arrancar oliveiras que há décadas se colavam às casas, ironicamente, protegendo-as, e ficámos todos muito contentes com o resultado, conseguido à custa de ameaças de multas e expropriações inconcebíveis.
Num país em que a maioria da área de floresta e mato não tem dono identificado, foi-se atrás de quem já fazia o que sabia necessário para proteger os seus bens, tantas vezes escassos. Apontou-se o dedo ao vil capital que vive dos eucaliptos - os mesmos que quem estuda os riscos garante que fazem uma gestão florestal verdadeira e segura que quem dera fosse replicada. Deixou-se o fumo da resposta fácil toldar a razão de uma ação concertada e adequada, capaz de evitar que aquele inferno volte a acontecer.
São especialistas em florestas que deixam hoje o alerta de que há fortes probabilidades de que Pedrógão volte a repetir-se uma e outra vez. E a razão é simples: apregoar soluções e ameaçar com sanções não é solução para o desordenamento do território. Clamar o regresso ao interior e a reocupação de áreas há muitos anos abandonadas - até mesmo atirando umas centenas de euros para cima do problema da desertificação - não cumpre os desígnios de conseguir voltar a popular essas zonas, de atrair famílias para regiões que permanecem sem equipamentos, sem infraestruturas, sem serviços, sem conforto, sem o básico capaz de ali fixar quem quer que seja. As pessoas que trocaram os campos pela cidade fizeram-no para ter acesso ao que ali não tinham - e que continua a não existir, desde escolas a unidades de saúde, de oferta cultural a redes de telecomunicações eficientes.
À falta de condições para atrair jovens famílias, soma-se o desdém e o desconhecimento da realidade do mundo rural. Um afastamento que condena o interior à desertificação e aos piores efeitos do abandono das terras, fogos horrendos incluídos. A desvalorização e os constantes ataques à agricultura, à caça e a todas as atividades tradicionalmente ligadas à terra e intrinsecamente promotoras da natureza, capazes de proteger território, habitats e espécies, contribuem para esse efeito devastador que apenas levará ao cada vez maior desligamento da terra.
E desengane-se quem acredita que o fim da interferência humana é positivo para a natureza, para o campo, para o mundo rural. Do que precisamos urgentemente, se queremos evitar novas e potencialmente maiores desgraças, é de estratégias eficazes e políticas capazes de atrair população ao interior.
Sem a mão do homem - disciplinada, formada, consciente e bem guiada por conhecimento e experiência adquirida, mas também por regras sensatas e geradas por quem conhece a realidade que regula -, o nosso interior está condenado a morrer. Pela desertificação, pelo fogo, pela seca. Uma morte lenta mas inevitável.