"O desígnio nacional devia ser o de construir um país menos desigual"

Há um "grande equívoco", diz Maria de Lurdes Rodrigues, quando questionada sobre qual deveria ser o desígnio nacional. Os discursos que apelam ao mar, à floresta e até às energias renováveis não se enquadram nesta categoria. "Na minha opinião o desígnio nacional devia continuar a ser o de construir um país mais livre e democrático, menos desigual, promotor do bem-estar e de oportunidades para todos, o de construir um país atrativo para os mais jovens, para os que estão e para os que virão", afirma a antiga ministra da Educação.
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É neste contexto que também sai fora do tradicional registo de apelar à reforma do Estado como a mais premente para o desenvolvimento do país. "Fala-se pouco na necessidade de reformar o mercado", constata, apesar de admitir que "podemos e devemos ambicionar melhorar os serviços públicos e a forma de relacionamento do Estado com os cidadãos".

Mas pior do que o desempenho dos serviços públicos "são as dificuldades de funcionamento dos vários mercados", onde considera que "há défice de institucionalização e de regulação, desde o mercado de trabalho ao mercado de arrendamento, passando pelo mercado de capitais..."

Maria de Lurdes Rodrigues é uma otimista "moderada" quanto ao futuro do país. Do ponto de vista político, afirma que foi muito positivo, como não podia deixar de ser, o afastamento da coligação PSD/CDS e a mudança de governo. É também muito promissor, diz, o entendimento entre o PS e os partidos à sua esquerda para uma agenda de governação, como é importante a alteração no relacionamento do Governo com as instituições da União Europeia e na forma como se defendem os interesses do país.

"Do ponto de vista económico a situação é muito difícil. As instituições da União Europeia são, neste momento, um empecilho ao nosso desenvolvimento económico e colocam obstáculos a políticas de investimento público promotoras do crescimento", afirma. Outra das dificuldades reside no facto de não se ter resolvido a crise do sistema financeiro: "Nesta matéria, a Troika e o anterior Governo tiveram uma atuação totalmente irresponsável e incompetente. Enquanto o problema do sistema financeiro e bancário não for resolvido, tenho dúvidas que seja possível resolver o problema do crescimento económico."

É por isso que diz haver no país graves problemas de crescimento económico, de capitalização das empresas e até a ausência de uma política de investimento público. "Decorrente disso, mas não só, tem também problemas graves de desemprego jovem, de desemprego estrutural e de desigualdade social e económica".

A também ex-presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) considera que o problema do crescimento económico, para ser enfrentado, necessita de recursos financeiros para apoiar o investimento público no desenvolvimento científico e tecnológico, na formação e qualificação dos recursos humanos, em geral, e dos adultos, em particular, no lançamento de de projetos mobilizadores e na capitalização das empresas. E que recursos financeiros existem disponíveis? "São os fundos comunitários que deviam ser canalizados para estes objetivos", diz taxativamente.

No momento político atual, a "bipolarização" - esquerda versus direita -, "é necessária para clarificar e tornar mais evidente o que está na causa das escolhas políticas que fazemos". Defende que boa parte dos partidos da social-democracia e da democracia cristã, que foram desde o pós-guerra os grandes protagonistas do Estado-social e das sociedades democráticas de bem-estar, abandonaram nas suas agendas esses objetivos.

"Hoje, revelam-se, na maioria dos países, incapazes de contribuir com políticas alternativas para a resolução de problemas como, por exemplo, o crescimento das desigualdades e a redistribuição de recursos, a regulação dos mercados financeiros, a livre circulação de pessoas e a integração dos imigrantes", reforça ainda com a incapacidade destas forças continuarem a melhorar os serviços públicos do Estado. "A bipolarização pode ajudar a perceber melhor que soluções alternativas defendem as diferentes forças partidárias."

A descrença que muitos cidadãos têm da política e dos políticos deriva, na sua opinião, de uma perda de esperança no futuro, numa vida melhor para si e para os seus filhos. "São muitos os que vivem vidas difíceis de desemprego crónico, de pobreza e de exclusão social, como são muitos os que viram reduzidos os seus rendimentos e diminuídas as oportunidades para os seus filhos", a que soma "um fenómeno de concentração da riqueza sem precedentes nos últimos 50 anos".

Maria de Lurdes Rodrigues não acredita na possibilidade de transformações radicais do sistema político. Mas advoga que são necessárias na União Europeia e nas políticas europeias, com reflexo nos sistemas fiscais e orçamentais da UE e dos Estados membros. "Penso, porém que, se essas mudanças não ocorrerem, é preferível recuar no aprofundamento da União Europeia. Isso seria mau, mas o que temos não serve porque não nos permite sobreviver como país com dignidade."

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