O crepúsculo assombrado de Sherlock Holmes
E se Sherlock Holmes fumasse apenas cigarros em vez de cachimbo e preferisse a cartola ao célebre chapéu de caça? Assim se apresenta Mr. Holmes, primeiro no livro de Mitch Cullin, como o homem real, para lá da ficção, e agora, na distinta figura de Ian McKellen, que protagoniza o mais recente filme de Bill Condon.
Arthur Conan Doyle, o autor do clássico, não surge mencionado. O elementar John Watson é a recordação do absoluto velhaco que, em tempos, pôs e dispôs do imaginário de Holmes... Nesse sentido, o filme de Condon inscreve-se num autêntico estudo de personalidade, que usa das mais diversas referências à personagem, para envolver o espectador num pacato jogo entre o homem e o mito.
Diz-se pacato pois Holmes tem 93 anos, vive retirado de Londres, na costa de Dover, e dedica-se à apicultura, tendo por companhia uma governanta viúva, Mrs. Munro (Laura Linney) e o seu dotado filho, Roger (por sinal, muito interessado nos escritos de Mr. Holmes).
Dois anos passados sobre a II Guerra Mundial, e 30 sobre o último caso a que se dedicou - e que o terá levado a abandonar a profissão de detetive -, Holmes confronta-se com uma aparatosa falência da memória. Condon, no caminho traçado pelo livro A Slight Trick of the Mind (na edição portuguesa, Sr. Sherlock Holmes, da Topseller), que sugere neste título original a traição da mais preciosa faculdade de um detetive, define uma abordagem humanizante, serena, ao invés do habitual, e de culto, espírito detetivesco.