O Corpo de Deus
Eram baleias o tema desta semana, mas depois meteu-se a Páscoa, pouco propícia aos cetáceos, e as baleias lá tiveram de voltar ao congelador do computador, onde agora repousam. Menos repousada estará certamente a infeliz directora de uma escola da Florida, a senhora Hope Carrasquilla, que há pouco acabou demitida, imagine-se, por ter mostrado aos seus alunos, numa aula sobre arte renascentista, uma imagem da escultura do David, de Miguel Ângelo, a mesma que todos os anos faz acorrer a Florença milhares e milhares de turistas, os quais, ao que parece, aumentaram até de número na semana passada, só à conta desta publicidade censória. Cavalgando a onda, o presidente da edilidade florentina, Dario Nardella, já convidou a professora vitimada a visitar a cidade, dando-lhe a oportunidade de apreciar in loco a genitália em mármore que tanta celeuma causou. Entre Florida e Florença, grave contenda, portanto, sem tréguas nem fim à vista, pois na escola em que a senhora Hope ensinava, à conta das turbulências do governador Ron DeSantis, já vamos no terceiro director em três anos, tantos são os dislates e os problemas, sendo, esse sim, o tema que deveria preocupar os paizinhos, cuja imbecilidade foi aproveitada e instrumentalizada para lutas políticas que os ultrapassam, e de que talvez nem sequer se apercebam. Por ora, ganhou Golias, é pena.
Se David já suscitou esta guerra, imagine-se o que teria sido se a professora Carrasquilla se tivesse lembrado de mostrar aos seus pupilos uma outra escultura de Miguel Ângelo, essa menos conhecida dos turistas, mas muito mais provocante. O seu nome é o mais pio e pascal possível, "Cristo Ressuscitado", e o que nela se mostra, em quase dois metros de altura, é Jesus carregando a Cruz. A estátua foi encomendada em 1514 por Metello Vari, sobrinho de um rica patrícia romana, que, informa o New York Times, de 21/2/2017, deixou expresso em testamento que queria que fizessem uma capela em sua memória, na Igreja de Santa Maria Sopra Minerva, na Cidade Eterna. O mais intrigante e curioso de tudo é que, nos documentos da época, estava especificado que Jesus Cristo deveria estar nu, tal qual veio ao mundo em sua divina glória.
Simplesmente, tragicamente (ou não), Miguel Ângelo abandonaria a obra antes de a completar, pois descobrira que no mármore existia um veio negro que desfeava a alvura e a pureza exigíveis na representação do Santo Cristo. Ou seja, enquanto na Florida de agora o problema é porno-político, na Roma renascentista a questão era estética, só estética, quando muito estético-religiosa. "Morro de angústia", escreveu o artista ao banqueiro Leonardo Sellaio, em Dezembro de 1518, comunicando-lhe a dolorosíssima decisão de ter deixado a escultura a meio. Pouco depois, e para cumprir os termos do contrato firmado com Metello Vari, fez uma segunda tentativa, agora com mármore de jeito, concluída em 1521, e cujo resultado está hoje, como é óbvio, em Santa Maria Sopra Minerva. Quem a vir in situ ou in internet, ficará deslumbrado por três coisas: a primeira, logo elogiada na época por Sebastiano del Piombo, são os joelhos do Cristo, de perfeição deslumbrante; a segunda, também óbvia, flagrante, é a delicadeza apolínea da figura, a suave torção do seu torso, obedecendo ao princípio do contrapposto, com a perna direita levemente flectida e a esquerda firme e tensa, amparando todo o peso de corpo de carne e músculo; e a terceira coisa a notar é a nudez completa e frontal de Nosso Senhor, com os órgãos sexuais à mostra, naquilo que não era uma figuração ímpia ou descabelada, mas sim, e paradoxalmente, uma apologia da sua pureza e grandeza - a crermos na Wikipédia, a exibição da genitália de Cristo pretendia significar que a sexualidade do Filho de Deus jamais fora ou seria corrompida pela luxúria, ao contrário do que nos sucede a nós, comuns e porcos mortais. Jesus poderia assim mostrar-se nu, escandalosamente nu, pois era capaz de dominar os seus instintos, de fazer triunfar o seu corpo ressurrecto sobre o pecado e a morte, di-lo Leo Steinberg em The Sexuality of Christ in Rennaissance Art and in Modern Oblivion, The University of Chicago Press, 2ª ed., 1996, pp. 146 e segs.
Aprendi aí que, durante o Renascimento, ou até antes disso, a exposição desbragada dos órgãos sexuais de Cristo, a ostentatio genitalum, correu a par com a exibição das suas chagas, a ostentatio vulnerum, ambas confluindo em diversas representações de Jesus morto ou ressuscitado. O resultado é extremamente corpóreo e impregnado de erotismo - de músculos salientes e com uma silhueta perfeita, Cristo parece um body-builder ou irresistível deus greco-romano -, mas a mensagem implícita diz-nos, e bem, que Jesus, ao contrário de nós, é imune a categorias como "vergonha", "pudor", "escândalo" ou "pecado".
Depois do pecado original, os descendentes de Adão e de Eva têm razões de sobra para se envergonharem do seu corpo, devem cobrir as partes a que chamamos, não por acaso, "vergonhosas" ou "privadas", mas Cristo, justamente em razão da sua natureza divina, pode exibi-las e mostrá-las ostensivamente, despudoradamente, sem que daí venha o mínimo escândalo ao mundo (excepto na Florida, claro). É isso que explica que, no contrato de encomenda feito a Miguel Ângelo, estivesse expressamente estipulado que Jesus deveria estar nu: "Un Cristo grande quanto al naturale, ignudo, ritto, com una crocce in braccio" (importa notar, contudo, que "ignudo" não significava necessariamente nudez completa, pois na linguagem da época bastava mostrar algumas partes do corpo para ser considerado nu).
Ainda assim, alguns especialistas em Miguel Ângelo afirmam que não se sabe ao certo o que terá levado o artista a representar Cristo daquela maneira, em total nudez. É possível que o patrono da obra tenha querido um Cristo "ignudo", despojado de alguma roupa, mas não tão "ignudo" assim, sem a mínima vestimenta. Fala-se também que a estátua evidencia um conflito entre o nudismo pagão e o moralismo cristão, enquanto outros sustentam que não há conflito algum, que Miguel Ângelo deu apenas largas aos seus impulsos, à sua atracção obsessiva pela beleza da nudez humana, num tempo em que as regras de decoro estético das obras de arte ainda não tinham sido codificadas na forma mais rígida e mais austera de finais do século XVI e da era da Contra-Reforma.
Na verdade, basta irmos à Igreja de Santo Spirito, em Florença, para lá vermos um outro Cristo de Buonarotti, este pregado na Cruz, mas também completamente nu. Foi feito em 1492 e, durante séculos, andou meio perdido, até ser redescoberto pelos académicos em 1962. Em 2001, a sua autoria foi confirmada, ou pelo menos muito reforçada, lembrando-se que, após a morte do seu patrono Lourenço de Médicis, Miguel Ângelo se albergou no Convento do Santo Spirito, onde provavelmente fez estudos anatómicos dos corpos do hospital conventual que lhe serviriam, e muito, para o aprimoramento da sua arte. Há uns anos, em Dezembro de 2008, o governo italiano pagou 3,2 milhões de euros a um antiquário em troca de um outro Jesus nu, feito em madeira policromada, o Crucifix Gallino, também atribuído a Miguel Ângelo.
Ou seja, e em direitas contas, o autor de David não terá feito um, nem dois, nem três, mas pelo menos quatro Cristos desnudados: o de Santo Spirito; o Crucifix Gallino; o do mosteiro de San Vicenzo, em Bassane Romano, de que já falaremos; e o de Santa Maria Sopra Minerva, em Roma, ou Cristo della Minerva. Não sei que dirão de tudo isto as autoridades escolares da Florida e o seu governador DeSantis, descendente de italianos. Mas sei que os paizinhos da escola de Tallhassee (uma escola pública, note-se), que pretendem poupar os seus filhos à visão do David, de Miguel Ângelo, estão a privá-los de um momento áureo da cultura ocidental e, bem assim, de uma obra artística que é carnal, sem dúvida, mas que é também imensamente espiritual e religiosa. Há 500 anos, os fiéis de Roma, novos e velhos, de todas as idades, não tinham problemas em ajoelhar e rezar perante um Cristo nu; hoje, há pais da Florida que consideram "pornográfico" o David da Academia.
Numa crónica publicada no século XVII (De Panormitana majestate libri IV, 1630), o siciliano Francesco Baronio chegou a divulgar uma historieta apócrifa que dizia assim: quando Miguel Ângelo fez o seu Cristo com as humanis partibus absolvisset, isto é, com o sexo à mostra, um senhor romano mais moralista cobriu-o com um lençol, que o escultor logo atirou ao chão; como o senhor insistisse em tapar a estátua, Miguel Ângelo voltou a arrancar o lençol e, desta feita, rasgou-o em mil pedaços. Muitos tomaram a anedota por verdadeira e o certo é que, em 1546, um ano após a abertura do Concílio de Trento, colocaram um lençol de bronze a cobrir as partes pudendas do Cristo della Minerva.
Mais tarde, por volta de 1644, a versão original da estátua, que Miguel Ângelo abandonara por causa do veio negro no mármore, acabou por ir parar ao Mosteiro de San Vicenzo, nos arredores de Bassano Romano.
Um pormenor delicioso: durante séculos, ninguém mais se lembrou dela e, sobretudo, ninguém mais se lembrou que ela era de Miguel Ângelo, a escultura permaneceu ali esquecida, incólume à cupidez humana. Os Exércitos napoleónicos saquearam Bassano Romano, mas nem tocaram na estátua; mais tarde, durante a 2ª Guerra, os alemães chegaram a instalar um posto de comando em Bassano Romano, mas também nada fizeram àquele Cristo cinzelado pelo pintor da Sistina. Em 1941, a família Odescalchi decidiu doar aos beneditinos o edifício conventual, mas nenhum dos seus membros quis ficar com a estátua ou impedir que fosse doada. Uma particularidade: ao contrário do Cristo de Roma, pudicamente tapado em 1546, o Cristo de Bassano Romano permaneceu intocado, inteiramente nu. E assim esteve no altar principal do mosteiro durante anos, décadas, séculos, merecendo a devoção de gerações e gerações de crentes, a genuflexão de milhares de monges e sacerdotes. Em 1979, o superior do convento, o reverendo Ildebrando Gregori, decidiu mudar a devoção do altar-mor e, por isso, apenas por isso, mandou remover a estátua de Cristo para a sacristia.
Não muito depois, em 1997, quando estavam enfronhadas nos arquivos da família Giustinani, que comprara a estátua e a levara para Bassano por volta de 1604, duas investigadoras da Universidade La Sapienza, de Roma, as professoras Irene Baldriga e Silvia Squarzina, reconstruíram o percurso da obra e foram dar com ela na sacristia de San Vincenzo, triste e esquecida. Na maçã esquerda do rosto de Nosso Senhor, destacava-se um veio negro no mármore alvíssimo que era quase uma assinatura de Buonarotti. Não havia dúvida.
Caiu que nem bomba: notícia em todo o mundo, muita vozearia internacional e, à conta disso, a professora Baldriga até tem um site com o seu nome e tudo (www.irenebaldriga.it), no qual, sem citar a colega Squarzina, se proclama descobridora da estátua perdida de Miguel Ângelo, que anunciou urbi et orbi através de um artigo dado à estampa na prestigiada Burlington Magazine, em Dezembro de 2000.
De todo a parte afluem hoje pedidos para exibir e mostrar o Jesus despido, o qual seria exposto em 2017, na National Gallery, lado a lado com o Cristo della Minerva, coberto com lençol de bronze. A estátua de Bassano Romano pesa duas toneladas e tem sido transportada em aviões militares até Roma, Berlim, Londres, Cidade do México. Provavelmente, nunca porá os pés na Miami de Ron DeSantis, uma terra hoje atrasada e inculta, reino de estupidez. São tantas as viagens feitas pela estátua que alguns dizem, talvez com razão, que ela corre perigo de vida e de conservação e que, se não houver calma e cuidado, qualquer dia o Cristo abre racha e ainda perde parte das partes.
Quem anda todo contente, claro está, é o superior dos beneditinos de Bassano Romano, para quem a descoberta da escultura teve o seu quê de milagre: o mosteiro estava nas lonas, crivado de dívidas ao fisco, e, segundo o reverendo Ildebrando, esta bênção irá chamar os turistas, permitindo até aos frades sonharem com o velho projecto de abrir um mosteiro no Congo. Como é óbvio, ninguém pensa cobrir a estátua de Cristo, censurar-lhe as poucas-vergonhas, pois estas são, goste-se ou não, um dos maiores atractivos da obra.
O Cristo nu de Miguel Ângelo não tem um propósito erótico explícito, ainda que o tenha, e muito, de uma forma implícita e velada. No fundo, figurar a nudez de Cristo é recordar o que nos diz a Bíblia, em ambos os Testamentos. No Velho, rezam os Salmos, 22:18-19: "Poderia contar todos os meus ossos; os meus inimigos olham para mim e pasmam. / Repartem entre si a minha roupa / e lançam sortes sobre ela." E, no Novo Testamento, tão evocado neste nosso tempo pascal, diz-nos o Evangelho de João, ali a 19:23-24:
"Então os soldados, depois de crucificarem Jesus, tomaram as suas vestes e fizeram quatro partes - uma parte para cada soldado - e tomaram também a túnica. A túnica era sem costura, tecida num todo, de alto a baixo. Disseram, então, uns aos outros: "Não a rasguemos, mas tiremos à sorte quem ficará com ela"; isto para que se cumprisse a Escritura, que diz:
"Dividiram as minhas vestes entre si
e sobre a minha túnica lançaram sortes.
Ora, foi o que fizeram os soldados."
Anunciada nos Salmos, a nudez de Cristo cumpre-se na Paixão, não sendo, pois, vergonhosa, mas radicalmente piedosa. Diferente, muito diferente, ou talvez não, é pensarmos na natureza corpórea de Deus, num divino feito de carne e osso, com olhos e com barriga, pernas potentes, nariz saliente. Seremos capazes de imaginar o divino sem lhe darmos uma forma humana?
Um estudo levado a cabo na Universidade de Stanford, em 2000, concluiu que a esmagadora maioria dos americanos continua a conceber Deus como um venerável ancião de barbas brancas, uma espécie de versão teológica do Pai Natal (ou o Pai Natal é uma versão profana e comercial de Javé). É possível, até provável, que seja também esta a forma com que nós, europeus, e nós, portugueses, imaginamos o divino celeste, incapazes de o pensarmos como um Nada, como uma entidade abstracta e intangível, verdadeiramente irrepresentável e, logo, extremamente inconcebível.
Podemos ter dificuldade em conceber Deus, mas, ao menos, deveríamos conhecer melhor a forma como Deus tem sido concebido pela espécie humana ao longo de milénios. Há tempos, falei aqui en passant de um livro denso e apaixonante, God: An Anatomy (Picador, 2021), da autoria de Francesca Stavrakopoulou, teóloga formada em Oxford, actualmente professora de Bíblia Hebraica e de Religiões Antigas na Universidade de Exeter. Quem não quiser aventurar-se em 600 páginas cerradas e em letra miudinha, todas dedicadas a dissecar a anatomia de Deus, literalmente dos pés à cabeça, pode ver a recensão saída no último número da New York Review of Books (Anna Della Subin, A Body That"s Divine, NYRB, de 6/4/2023).
Lêem-se ali coisas espantosas: no Shi"ur Qomah (a Medição do Corpo), um conjunto de tábuas aritméticas que circularam no século XII, os sábios e os místicos judaicos tentaram calcular o tamanho dos pés de Deus (ao pé direito chamaram Parsamyah, Atraqat ou Shamah, e ao pé esquerdo Agometz), estimando-se que fosse de 144.840.960 quilómetros, ou seja, um calçado avantajado. Outra questão melindrosa, que dividiu os comentadores rabínicos durante séculos, foi a seguinte: se Adão foi feito à imagem de Deus, então Deus também deveria ter um pénis circuncidado; mas quem teria circuncidado o pénis de Deus? Segundo um mito fenício, acolhido no século II por Filo de Biblos, também conhecido por Herénio Filão, Deus - e, de resto, também Abraão - circuncidou-se com as próprias mãos, sem o auxílio de ninguém; mas, de acordo com a versão ugarítica, Deus teria confiado esse trabalho a um grupo de especialistas hortícolas, os podadores das vinhas, antes de consumar o seu matrimónio.
É que, por muito que nos surpreenda, Javé era casado e tinha mulher, Aserá ou Achera, Deusa da Fertilidade, não sendo ao acaso que no Livro de Jeremias se fala de uma "Rainha dos Céus" (7:18). Em Kirbet el-Qoom, na margem ocidental do Jordão, foram aliás descobertas diversas inscrições do século VIII a.C. honrando "Javé e a sua Aserá". Há também provas credíveis de que no Templo de Salomão, em Jerusalém, se cultuava Aserá através de uma estátua e de uma árvore próprias, colocadas junto aos altares a Javé. E, ao que parece, o nome "Aserá" surgia 40 vezes no original da Bíblia Hebraica, mas foi depois alterado para "arvoredo" ou "vara sagrada".
Tratou-se de uma mudança ocorrida aquando da construção do Segundo Templo, no âmbito da qual se procedeu a uma profunda reforma religiosa que erradicou os últimos vestígios de politeísmo. Isso implicou, por um lado, que Deus tivesse perdido a sua esposa e, por outro, que os membros do Conselho ou Panteão divino tivessem sido desgraduados em entidades menores, mensageiros da palavra divina ou simples abstracções cósmicas. Uma reforma tão radical e tão drástica só poderia dar frutos se conseguisse extirpar de vez o antigo culto à mulher de Deus e, por isso, Aserá passou de divina a prostituta, foi violentamente apagada das Escrituras e do Magistério e o seu nome passou a ser proferido, note-se, com a mesma entoação hebraica para "vergonha". Deixaria, porém, alguns rastos e vestígios, sendo duas vezes citada no Livro de Jeremias, ambas como "Rainha dos Céus", em 7:18, atrás mencionado, e em 44:17-25.
Ao contrário do que poderíamos pensar, talvez a ideia de Deus ser casado e ter uma mulher não seja muito favorável às aspirações femininas, pois ela implica que, havendo uma esposa, Deus será fatalmente homem. É essa, aliás, a forma como o concebemos, um avôzinho de tez e de barbas brancas, às vezes irado e furioso connosco, somente por nos querer o Bem. Mais do que imaginarmos um casal divino, igual aos demais deuses da Antiguidade, talvez fosse melhor e mais justo concebermos Deus como uma entidade plural, capaz de ser três numa vez, Pai, Filho, Espírito Santo, mas também de ser homem e de ser mulher, branco ou negro, amarelo, de todas as cores.
Ao longo das épocas e dos lugares, tem mudado tanto o divino, do politeísmo ao monoteísmo, de deuses-homens a deuses-mulheres, que era altura de percebermos que a imagem que fazemos de Deus vai variando muito com o evoluir dos tempos e com as latitudes do globo, com os avanços das crenças e das descrenças. Não sei como se passam as coisas no islamismo e no judaísmo, mas hoje, no seio da Igreja Católica, nem mesmo os mais conservadores ousarão dizer que Deus é um homem, nascido com o cromossoma X/Y, dotado de pénis e pêlo.
Um Deus-Pai caucasiano e macho será próprio de um tempo antigo, remoto e arcaico, mas é pouco ajustado à justiça que hoje tanto se clama e proclama, em nome de ideais terrenos, é certo, mas também em nome de valores espirituais e religiosos, como os da dignidade e divindade humanas. Na verdade, se a Humanidade é feita à semelhança de Deus, então Deus será semelhante à Humanidade, mas à Humanidade toda e inteira, plural e diversa, sem distinções de género, etnia e classe. Um Deus assim, que só os tontos julgarão ser um divino woke, fará um mundo melhor, mais justo e feliz. No fundo, no fundo, não é isso e só isso que importa?
Historiador.
Escreve de acordo com a antiga ortografia.