O presidente em exercício da União Africana (UA), na véspera de viajar para Washington, onde se celebrou uma cimeira entre os Estados Unidos e os países africanos, desabafou: "Quando falamos, muitas vezes não somos ouvidos, ou de qualquer forma, não recebemos interesse suficiente. É isto que queremos mudar. E que ninguém nos diga que não, que não trabalhem com este ou aquele, que apenas trabalhem connosco. Queremos trabalhar e comerciar com todos", disse Macky Sall, que é o chefe de Estado do Senegal. Os EUA são os últimos a entrar na disputa de uma nova corrida a África, concorrendo com a UE, Turquia, China e Rússia..Uma mistura explosiva de agravamento das condições de vida devido à pandemia, Estados frágeis, corrupção generalizada, desprezo pelos direitos civis, violência e/ou terrorismo, levou a que, em menos de 30 meses, o continente africano (em particular na faixa do Sahel e à sua volta) tenha vivido sete golpes militares bem-sucedidos. Além disso há 16 países com conflitos ativos..DestaquedestaqueO Burquina Faso viveu dois golpes militares no espaço de nove meses, enquanto as autoridades do Mali, Guiné-Bissau e Gâmbia anunciaram ter contrariado tentativas de tomada do poder pelas armas..O retrato social é negativo. O mais recente relatório da Fundação Mo Ibrahim sobre a governação em África, datado de 2020, aponta para uma tendência de reversão nos Direitos Humanos, participação cívica, liberdades, inclusão, igualdade de género e Estado de Direito em comparação com os dez anos anteriores..Do outro lado da moeda, registou-se uma melhoria generalizada do desenvolvimento humano (Saúde à cabeça) e das condições para as oportunidades económicas (desenvolvimento rural e clima de negócios no topo)..Se a isto somarmos o facto de África ser o continente com a idade mediana mais baixa, 18 anos - a da Europa é de 42 anos - , e uma população crescente, as pressões tendem a aumentar, seja na Educação, seja no mercado de trabalho, seja ainda no movimento migratório. Com recursos humanos e naturais abundantes, o continente atraiu investimento direto recorde em 2021 e é de prever que a tendência se mantenha..Segundo dados das Nações Unidas, os maiores detentores de ativos estrangeiros em África estão sediados na Europa, liderados por investidores no Reino Unido (65 mil milhões de dólares) e em França (60 mil milhões de dólares). Já no que respeita às trocas comerciais é a China que lidera, tendo Pequim batido o recorde de exportações para o continente em 2021. Em troca, os chineses importam minerais, metais, petróleo e produtos agrícolas, mas apesar do interesse estratégico de África, esta conta menos de 4% do valor total das trocas comerciais da China..Outros países que apostam forte em África são a Rússia e a Turquia. Tal como Pequim, Moscovo e Ancara não têm pruridos em negociar com líderes que varram questões como os Direitos Humanos para debaixo do tapete e gozem de uma aura anticolonialista..No caso russo, o negócio em expansão é o de venda de armas e de destacamento de mercenários do Grupo Wagner, enquanto a máquina de propaganda opera livremente online e através do canal RT, e a diplomacia moscovita tenta, da Argélia à África do Sul, manter ou restaurar os laços, dos tempos soviéticos, aos movimentos de libertação. Não por acaso, 25 países não votaram pela condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia na Assembleia-Geral das Nações Unidas..Destaquedestaque36 milhões é o número de pessoas deslocadas à força - o triplo de há uma década -, entre desalojados internos, refugiados e requerentes de asilo, num continente com 1,4 mil milhões de habitantes..A União Europeia tenta contrariar esta tendência ao brandir um livro de cheques de 150 mil milhões de euros para investir no continente, metade do valor total do programa Ponte Global, a resposta europeia à Nova Rota da Seda chinesa. Para já apresenta como exemplo a parceria na Namíbia para produzir e transportar hidrogénio verde, mas a presidente da Comissão quer um novo impulso..Os Estados Unidos entraram mais tarde na competição. Apesar de Washington enviar milhares de milhões de dólares em ajuda humanitária por ano, a sua presença não é sentida no quotidiano, enquanto os africanos reconhecem os chineses pelos seus comboios, estradas ou estádios, ou os turcos pelos aeroportos e mesquitas..No final da cimeira de três dias com os líderes africanos, o presidente Joe Biden defendeu um assento no G20 para a União Africana, prometeu visitar África em breve, anunciou 55 mil milhões de dólares de investimentos nos próximos três anos e um apoio específico de 165 milhões para a transparência e segurança das eleições que vão ter lugar em 2023 na Libéria, Serra Leoa, Gabão, RD Congo, Madagáscar e Nigéria..É no país mais populoso de África que os olhos estão postos. Desde o fim da governação militar que a presidência nigeriana tem alternado entre um muçulmano e um cristão de dois partidos. Mas as candidaturas apresentadas são de dois muçulmanos septuagenários que chegaram ao topo no mesmo período, entre 1999 e 2007: Atiku Abubakar, como vice-presidente, e Bola Tinubu, como governador de Lagos..Contra ambos há uma inédita terceira via, a de Peter Obi, católico de 60 anos, empresário e ex-governador de um estado do sudoeste onde ficou com boa fama por ter deixado mais dinheiro nos cofres do que quando entrou. A juventude urbana está com Obi (são os "Obidients") e há sondagens a apontar para a sua vitória, o que representaria um abanão na classe política..Na África de expressão portuguesa, há legislativas marcadas para junho na Guiné-Bissau e, em outubro, autárquicas em Moçambique, com a novidade de o processo democrático se estender a mais 12 cidades ou vilas, num total de 65..cesar.avo@dn.pt