Influências vão de Sartre a Gramsci, de Gide a Chomsky."O senhor, cale-se! Está aqui como convidado, mas também pode ser convidado a sair", advertia Soares, fazendo lembrar o episódio entre o rei de Espanha e o presidente da Venezuela. Mouta Liz entende que o anfitrião da Fundação Mário Soares tinha de assumir aquele papel perante alguém que invectivava Sócrates..Mas quem é, afinal, o contestatário? José Luís Martinho da Mouta Liz nasceu em Lisboa, no dia 1 de Agosto de 1939, mas passou parte da infância e juventude na Figueira da Foz. O pai, que era guarda fiscal, tinha pedido para ser transferido quando estava na raia alentejana, em plena Guerra Civil de Espanha, e não conseguia cumprir as ordens salazaristas de abater os republicanos que cruzavam a fronteira. E, quando não estava a escutar a Rádio Moscovo, contava estes episódios ao filho único - que até haveria de os fixar em poemas, que, sem pensar publicar, sempre escreveu..Nas décadas de 40 e de 50, quando a Praia da Claridade era um destino elegante e Mouta Liz frequentava o liceu, o conhecido revolucionário começou a interrogar-se sobre as diferenças sociais e, até hoje, continua a procurar resposta para o seu "espírito de revolta em relação à sociedade"..Terminado o curso geral dos liceus (o equivalente ao actual 9.º ano), já em Lisboa, empregou-se, como recepcionista, numa oficina de automóveis. Da campanha de Delgado, recorda-se de estar na cheia e entusiástica Avenida da Liberdade, quando se aguardava o retorno do "general sem medo" do Porto, e de a GNR ter carregado sobre a multidão. E também de sair de uma sessão de propaganda com a guarda a perseguir as pessoas, invadindo cafés a cavalo e à espadeirada..Em 1960, fez o curso de sargentos milicianos e, entre 1961 e 1963, foi mobilizado para o Leste de Angola. O batalhão ficou em Sanza Pombo e, como o comandante era um humanista, a acção psicossocial (uma das componentes da guerra colonial) foi usada para alfabetizar a população, com muita gente a fazer a instrução primária - e a aderir, depois, ao MPLA..Ao regressar, em 1964, ingressou no Banco de Portugal e, envolvendo-se no movimento sindical, ganhou outra consciência política. Antes do 25 de Abril, um dos sindicatos mais activos era o dos bancários, o que originou a prisão de dirigentes e manifestações pela sua libertação, com empregados da banca de gravata preta a terem de fugir da polícia de choque. .Entretanto, Mouta Liz foi solidificando a sua base cultural e teórica. Recorda a influência de Gide, a nível dos costumes, ou de Sartre, como teórico. Não encontrou aspectos úteis no surrealismo ("a arte não é só uma cócega"), sentindo-se mais próximo dos neo-realistas (Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes, Carlos Oliveira)..Após a revolução, entrou no MES e, em 1975, o Ministério das Finanças nomeou-o responsável pelos saneamentos no Banco de Portugal. Orgulha-se de o processo ter sido, ali, exemplar: "Se alguém deixava de ter uma função, mantinha a sua categoria e o respectivo vencimento.".Em 1976, ao apoiar a candidatura presidencial de Otelo, tornou-se amigo e cúmplice da figura que "protagonizou o acontecimento mais importante da História de Portugal", que nunca quis receber benesses e, só por injustiça, não é general. Além disso, diz que o livro Alvorada em Abril é comparável aos de Fernão Lopes..Após o MES, Mouta Liz esteve no MSU, partido um bocado inspirado em Gramsci, onde era um "proleta dos serviços" entre figuras como António Vitorino, Joel Hasse Ferreira, Ana Benavente e Joaquim Namorado, que saíram para a UEDS, na transição para o PS. Aliás, também ele, e por mais de uma vez, foi "assediado para entrar no PS e ficar bem na vida"..Em vez disso, optou por se juntar com os militantes, muitos oriundos do PRP, que iriam formar a OUT, partido que desenvolveu relações internacionais intensas com organizações da Líbia (que chegou a ser o seu modelo), Argélia (ver episódio com Zenha) e América Latina. Entretanto, recuperaram uma sigla que servira como tentativa de unidade e desdobravam--se entre o partido (OUT) e a frente de massas (FUP). Acreditaram que elegeriam dois deputados por Lisboa e um pelo Porto: Otelo, Mouta Liz e Manuel Serra (ex-PS, ex-FSP), mas foram impedidos de concorrer..A seguir, surgia a acusação de haver uma ligação entre a FUP e a organização terrorista FP-25. Apesar de manterem discursos muito idênticos, os incriminados rejeitaram até ao fim essa relação. E, sobre as suas convicções de que é possível criar um poder popular, Mouta Liz nunca se cala.