"O consumo nunca foi tão massificado, mas isso não é assumido"
As pessoas têm hoje mais consciência das alterações climáticas. Isso já está a mudar os modos de vida?
É uma consciência recente, tem cinco, seis anos. Hoje, a maioria das pessoas que respondem aos inquéritos ligam os fenómenos climáticos extremos, como as inundações ou as ondas de calor, às alterações climáticas. E, estas, ligam-nas às atividades humanas. Mas não haverá ainda uma influência direta sobre a prática individual. Na verdade, há resultados contraditórios nos inquéritos.
Que contradições são?
Quando se pergunta quais são as melhores soluções para as alterações climáticas, as pessoas dizem na maioria que elas passam pela mudança dos hábitos de vida. Mas depois são também na maioria céticas quanto à capacidade individual de lá chegar. As questões do tipo "pensa que até ao final do século vamos resolver o problema do clima?", a maioria diz que não. Mas há sempre uma parte da população, que varia entre os 12% e os 20%, que está em rutura com o modelo de consumo de massas e que tenta fazer as coisas de forma diferente. Este grupo influi sobre a sociedade.
De que forma?
Não é possível dizer exatamente como acontece. Não temos modelos matemáticos na sociologia para mostrar como uma ideia se difunde, mas é muito claro que é assim. Veja o que aconteceu com os valores dos movimentos contestatários dos anos 60.
O ciclo das ideias contestatárias dessa época não se fechou já?
Fechou-se há muito, mas as ideias ficaram e de alguma forma banalizaram-se. Pelo menos, na sociedade francesa.
Na política, fenómenos como Marine Le Pen mostram esse fim de ciclo?
Penso que não. Este não é um fenómeno francês, é mundial ou, pelo menos, internacional. Consiste em recusar aos políticos tradicionais o que a Frente Nacional [partido de Marine Le Pen], em França, designa como establishment. Aproveitam o desencanto das pessoas com os políticos para captar a sua confiança cega, como fez Trump [presidente dos Estados Unidos]. Os populistas exploram o desencanto com a classe política em todo o lado.
Trump e Marine Le Pen são o mesmo fenómeno?
Penso que sim, têm a mesma origem. Mas quando os americanos virem que um político que não provém da classe política tradicional faz não importa o quê e não tem em conta as suas aspirações, acabarão por ficar ainda mais desencantados.
Mas uma Marine Le Pen no país da Revolução Francesa e do Maio de 68 não é mais estranho?
Sim, visto de longe é. Mas ela ganhou peso eleitoral e, a partir daí, todas as pessoas que votavam nela, ou simpatizavam [com a Frente Nacional], sentiram-se legitimadas para votar no seu programa, que é populista e fascista, mas não se diz fascista. A única coisa que tem de diferente do fascismo, é que não se assume como tal. Nem populista, aliás. Dizem-se simplesmente franceses.
Se passar à segunda volta, Le Pen pode ganhar?
Infelizmente há um risco técnico, e os media são muito discretos, na sua lógica das audiências e de não ofender os eleitores de Marine Le Pen. É brincar com o fogo. Não vejo nenhum dizer o que seria necessário: que é um movimento fascista. Porque não se diz?
Porque define a Frente Nacional como um movimento fascista?
Tem todos os traços do programa fascista, como leis diferentes para franceses e não franceses, a expulsão dos estrangeiros, os valores da pátria e da família, o estado reduzido ao mínimo, sem serviços públicos e de assistência, que são vistos inúteis. Penso que uma boa parte da França não tem qualquer simpatia com Marine Le Pen e as suas ideias, mas para mim, como cidadã e socióloga, a situação política em França é muito inquietante.
Sendo, por outro lado, um fenómeno mundial, deverá inquietar-nos a todos?
Penso que sim. Devemos inquietar-nos com o que se passa nos Estados Unidos, no Brasil, na Rússia, em França. Este não é um bom momento para os espíritos progressistas.
Neste contexto, as alterações climáticas correm o risco de perder importância?
Analisei todos os projetos presidenciais, dos 15 candidatos [na presente eleição em França à presidência da República], e há um único que tem as alterações climáticas no seu programa, Jean-Luc Mélenchon [da Frente de Esquerda, à esquerda do PS francês], com esta ideia de base de que elas estão em curso e que devemos agir.
Como se explica este quase apagamento, depois de a França se ter mobilizado em 2015 para o Acordo de Paris?
Os candidatos que se veem a si próprios como podendo chegar à presidência, não fazem as coisas ao acaso, escolhem os temas que as suas equipas bem preparadas pensam que lhes podem dar mais votos. Querem sobretudo seduzir os eleitores, com temas como o emprego, o crescimento ou a imigração.
Voltando à questão da mudança social, no consumo, as questões de saúde também desempenham um papel?
Sim, as preocupações de saúde estão lá sempre, mas não se consegue bem distinguir o que vem da preocupação com o ambiente e da saúde. A mudança de valores é um processo muito lento. Diz-se agora que se tornou tudo mais rápido, com as novas tecnologias de comunicação, mas estamos a falar da constituição de normas, ou de hábitos, e isso leva tempo, às vezes muito tempo.
O paradigma do consumo de massas está, então, para durar?
Penso que sim e mais massificado do que se assume. Quase não se fala de consumo de massas e no entanto ele nunca foi tão massificado, sobretudo desde que os produtos de grande consumo se tornaram mais individualizados. Há linhas de produtos frescos que fazem quilómetros para que cada grupo de consumidores se imagine único no seu consumo. As projeções para 2050, e para depois disso, não apontam para o fim dessa tendência. Por isso, é importante consumir menos e consumir de outra forma porque se considerarmos a escala planetária, o consumo, com as suas atuais características, é insustentável. E também é insustentável que, a nível político e coletivo, não nos demos conta disso. É um caminho perigoso.