O cônsul português que desafiou Salazar
Em apenas três dias, há 65 anos, o cônsul português em Bordéus emitiu vistos para milhares de fugitivos e opositores ao regime nazi, permitindo a sua saída de França. Com esse gesto altruísta, Aristides de Sousa Mendes salvou a vida a um número indeterminado de pessoas, mas, por desobedecer a António de Oliveira Salazar, acabou por morrer na miséria. "Um homem que fez o bem mas, por isso, acabou por ser castigado", lembra o neto Álvaro de Sousa Mendes.
Em 1940, e apesar de a famosa circular 14 proibir a emissão de vistos portugueses a determinados refugiados de guerra, como os judeus, sem a autorização do Ministério dos Negócios Estrangeiros - então liderado por Salazar -, Aristides Sousa Mendes decidiu não acatar as ordem superiores. Primeiro no seu consulado, em Bordéus, e depois respondendo a um pedido de ajuda do colega de Bayonne.
"Chegando ali, e perante tantos milhares de pessoas - cerca de cinco mil na rua, de dia e de noite, sem arredar pé, à espera de vez (...) aguardando a ocasião de se aproximarem do Consulado -, propus ao meu colega Faria Machado [cônsul de Bayonne], como único meio de resolver as dificuldades, conceder-lhes os vistos desejados", escreveu Aristides de Sousa Mendes em sua defesa, depois de ter sido aberto um processo disciplinar.
Os vistos de passagem eram entregues de forma gratuita, não havendo por isso registo do número de pessoas que ajudou. Fala--se de 10 a 30 mil. "Era realmente meu objectivo salvar toda aquela gente", dizia o cônsul, acrescentando saber "a sorte que aconteceria àquela gente caso caíssem na mão do inimigo". Os refugiados que queriam fugir de Hitler não tinham abrigo em Espanha e nas fronteiras só deixavam passar quem tivesse um visto português - garantia de que o país de Franco não era o destino final.
"A formação jurídica do meu avô e o facto de ser um católico fervoroso foram as principais razões para ele ter feito o que fez, sem esperar agradecimentos", referiu Álvaro de Sousa Mendes. Uma frase resume a sua filosofia "Prefiro estar com Deus contra os homens do que com os homens contra Deus." E foi contra Salazar que Aristides se colocou. Ao regressar a Portugal e à localidade onde nasceu, Cabanas de Viriato, o antigo cônsul viu-se impedido de trabalhar. Impossibilitado de sustentar os 14 filhos, pede-lhes que abandonem o país, já que o nome Sousa Mendes será para sempre perseguido. "Foi assim que o meu avô morreu, em 1954, pobre, doente e perseguido", refere Álvaro. Só em 1988 o Parlamento português reconheceu a heróica coragem de Aristides de Sousa Mendes.
O cônsul viveu ainda o fim da guerra, temendo por dois dos filhos que, nascidos nos EUA, ingressaram no exército aliado. "Chico Nando" e "Tata", como eram conhecidos, participaram no desembarque na Normandia, a 6 de Junho de 1944.
Susana Salvador