O cirurgião que mudou a cara de Kadhafi

O brasileiro Liacyr Ribeiro conta ao DN detalhes da operação plástica a que submeteu o ditador líbio, morto há cinco anos. Não quis anestesia geral, com medo de que o matassem, pediu um hambúrguer a meio da intervenção e foi gentil e generoso
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Como autoridade no Brasil em matéria de cirurgia plástica, Liacyr Ribeiro, de 75 anos, percorreu a Europa e o mundo em conferências e palestras. Numa delas, em meados dos anos 1990, foi abordado por Mohamed Said, que se apresentou como ministro da Saúde da Líbia e o convidou a fazer uma comunicação em Tripoli. No final, Said levou-o para "realizar um procedimento junto a uma pessoa muito querida".

Especialista em cirurgias de mama, Liacyr acreditou que fosse retocar os seios da mulher do ministro. Nada disso: após um percurso ziguezagueante, em que passou por diversos bloqueios de homens armados, o médico, levemente apreensivo, foi levado para o bunker de Muhammar Kadhafi. "Foi tudo muito inesperado, ele aproximou-se e, em inglês, de forma muito gentil e educada, disse ao detalhe o que queria e por que queria", recorda ao DN.

Kadhafi explicou-lhe que não podia mostrar ao povo líbio que estava a envelhecer (tinha 53 anos na altura) e que precisava de retoques nas pálpebras e na região das maçãs do rosto, expostas a rugas de expressão, além de implantes capilares. Mas o mais surpreendente foi que o ditador fazia questão de ser operado naquele dia - imediatamente. "Não dava, faltavam-me assistentes, materiais, combinámos então uma data posterior", diz Liacyr. Acompanhado de clínicos de muitas nacionalidades - médico pessoal paquistanês, dentista búlgara, assistente sérvia, anestesistas egípcio e russo - o brasileiro executou o procedimento ao lado também de um compatriota, especializado em implante capilar, que levou consigo.

[destaque:Liacyr Ribeiro tem na sua lista de clientes o italiano Silvio Berlusconi]

Mas sem anestesia geral: "Senti que ele tinha medo de que um anestesista pudesse matá-lo, fez questão de uma anestesia localizada." E a meio, para tudo: "Quis um hambúrguer!". No intervalo forçado, todos comeram, num horário estranho, porque já passava das duas da manhã. "O calor é tanto que os líbios mais ricos vivem de noite, fazem compras e vão a consultas de madrugada." "Eu só contei esta história muitos anos depois, devidamente autorizado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, não por publicidade, até porque ele não ficou com muito boa aparência, mas para dar um contributo histórico", diz Liacyr, que, garantem em Itália, tem Silvio Berlusconi como cliente.

"Em resumo, tive um tratamento pessoal excecional, não pedi dinheiro mas recebi um envelope do ministro da Saúde em dólares, num valor muito superior ao que cobraria no Brasil, não tive restrições especiais e não assisti a nenhuma barbaridade, o que também não é de espantar, porque eles não iriam mostrar a um estrangeiro o que tinham de pior", conta o médico. E Kadhafi? "Gentil, educado, às vezes frio, demorava muito tempo a responder, como se pensasse com cuidado no que dizia, e vaidoso, como afinal todos nós".

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