O Círio e o turismo religioso

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O termo círio origina-se do latim cereus, significando uma grande vela. Os romanos utilizavam-na durante os cultos. Os cristãos usam nas missas, funerais, festejos especiais e nas procissões, como símbolo da luz e da fé. Em agosto, Belém começa a viver o frenesi dos preparativos para comemorar a maior festa religiosa do mundo - o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. A procissão no segundo domingo de outubro arrasta como um rio uma multidão de fiéis há mais de dois séculos, estimada em três milhões de devotos que percorrem quatro quilómetros e, sob um sol inclemente, caminham orando ou cantando nas ruas homenageando a sua padroeira.

Segundo a lenda, um homem simples, chamado Plácido José de Sousa, natural do Alentejo, foi o responsável por esse culto. Registos comprovam que no início de 1700, às margens do igarapé Murutucu, local onde está a basílica, quando conduzia o gado, surpreso encontrou uma imagem pequenina sobre pedras lodosas. Apanha-a e leva-a para casa, porém na manhã seguinte o lugar estava vazio. Procurou-a e encontrou-a no local de origem.

Propalada a descoberta, pessoas entendendo ser milagre acorreram ao local. Rezas, velas, flores e promessas em torno da imagem cresceram. Em 1728, a epidemia de bexiga assolou a cidade, aumentando o número de devotos, implorando curas. Alcançadas as graças, a fé atingiu contornos elevadíssimos. Em 1746, novo surto da doença ceifa muitas vidas. Decorridos três anos, o sarampo faz grande número de vítimas, elevando a crença dos católicos.

Em 1782, o bispo D. João Evangelista pede à rainha D. Maria I de Portugal permissão para realizar uma festa pública segundo o ritual litúrgico. Sem resposta, o bispo Frei Caetano Brandão, em 1788, reitera o pedido à Coroa Portuguesa. A 14 de setembro de 1790, o Papa Pio VI concede permissão, ressaltando que seria de acordo com a tradição portuguesa. A 31 de maio desse ano, faleceu Plácido de Souza, deixando como substituto António Agostinho, vereador da Câmara Municipal de Belém. O governador D. Francisco de Souza Coutinho, gravemente enfermo, prometeu à Virgem que se ficasse curado levaria na romaria um círio da sua altura. Restabelecido, cumpriu a promessa e, a partir daí, a procissão passou a chamar-se Círio.

A 7 de setembro de 1793, à noite, houve a trasladação da santa, da ermida para a capela do Palácio do Governo. No domingo, à tarde, realizou-se o Primeiro Círio de Nossa Senhora de Nazaré com grande acompanhamento. Devido à chuva vespertina passou para a manhã do segundo domingo de outubro. Ao chegar ao CAN - Centro Arquitetónico Nazareno, a imagem é retirada da berlinda pelo arcebispo metropolitano de Belém que a ergue abençoando o povo. Em seguida é rezada a missa e, ao término, é recolhida ao altar-mor permanecendo 15 dias recebendo os devotos.

Anualmente cresce o número de peregrinos em Belém, incrementando a economia, quando milhões de turistas lotam a rede hoteleira, movimentando todos os setores produtivos do Estado, principalmente o comércio, a indústria e os serviços próprios da época, incentivando o turismo religioso. Na quadra nazarena há um acréscimo de 30% no mercado de trabalho quando milhões de reais são injetados na economia paraense. As autoridades esmeram-se na receção aos visitantes na maior festa de confraternização conhecida como o "Natal dos paraenses".

A cultura movimentadíssima, apresenta os Autos do Círio, exposição de pinturas, esculturas, brinquedos de miriti, shows de artistas nacionais e internacionais, parque de diversões com jogos variados e concorridíssimos jantares na Barraca da Santa, mostrando o que há de melhor na gastronomia regional.

Pela importância do simbolismo religioso, o Círio de Nazaré teve em setembro de 2004 aprovado pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) o seu registo como Património Cultural de Natureza Imaterial, comemorado jubilosamente pela comunidade paraense.

Correspondente da revista brasileira Pará+

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