O circo pegou fogo. Rutura à esquerda chumba OE 2022, eleições antecipadas à vista

A proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano (OE 2022) vai esta quarta-feira a votos no Parlamento. Apesar de manobras de última hora do governo, como a reunião extraordinária do Conselho de Ministros convocada para esta segunda-feira à noite, tudo aponta para que nem BE nem PCP tenham já margem agora para dar o dito por não dito, viabilizando a proposta. O DN faz as contas aos ganhos e às perdas de cada partido.
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Consumada a decisão do BE, PCP e PEV de votarem quarta-feira contra a proposta de lei do OE 2022, o país aproxima-se a passos largos de um cenário de crise política e eleições antecipadas. A contabilidade atual aponta 108 votos a favor (do PS), 117 contra (PSD+BE+ PCP+CDS+PEV+Chega+IL) e cinco abstenções (três do PAN e duas das duas deputadas não inscritas, Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues). Resta saber o que cada um ganha e o que cada um perde com esse cenário.

Os socialistas continuaram a ser nas últimas autárquicas o partido municipal mais forte mas a verdade é que perderam 244 mil votos face às eleições locais de 2017. Além do mais, as autárquicas revelaram um PS em perda nos centros urbanos e o caso mais notório foi o de Lisboa.

Contrariando todas as sondagens, Carlos Moedas, encabeçando uma coligação do PSD com o CDS, o MPT e o PPM, venceu o recandidato socialista Fernando Medina. O PS, agora coligado com o Livre, perdeu cerca de 25 mil votos. Além disso, os socialistas perderam votos no Porto e perderam o Funchal e Coimbra para o PSD.

Eleições antecipadas tenderão assim a apanhar o PS em perda e estando agora António Costa impossibilitado de esgrimir como vantagem a sua capacidade de diálogo à esquerda, com o BE e o PCP. O discurso da maioria absoluta - que Costa de resto nunca fez - é agora completamente irrealista mas deixou entretanto possível falar de todo no espírito da geringonça.

Dito de outra forma: o PS está bloqueado, entalado verdadeiramente, e parte eleitoralmente para as eleições legislativas com o tal élan negativo da perda de influência eleitoral urbana. As intervenções socialistas, ontem, já só estavam centradas no problema da culpa (ou seja, em passar para o PCP e BE a culpa do fracasso das negociações do OE 2022). Para esta segunda-feira à noite foi convocada uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros. O primeiro-ministro parecia fortemente apostado numa estratégia oferecer o máximo possível ao PCP, visando com isso desonerar o PS dos custos da crise política.

O PSD chegará às eleições legislativas antecipadas com a vantagem de parecer estar em crescimento eleitoral. Cresceu em número de presidências de câmaras e, acima de tudo, conquistou Lisboa, o que parece apontar para um certo regresso do voto urbano.

Contudo, pode estar em mutação interna, com a liderança a ser fortemente disputada agora entre Rui Rio e o eurodeputado Paulo Rangel. Os calendários internos são, além do mais, complicados. As diretas foram marcadas para 4 de dezembro e o congresso subsequente deverá ser no início de janeiro (mas ainda não foi marcado).

Dito de outra forma: o processo das legislativas apanhará o partido virado para dentro - só uma eventual condescendência do Presidente da República a marcar as eleições permitirá algum tempo ao partido para se recompor do combate interno e virar-se para o externo.

Seja como, vencendo Rio ou vencendo Rangel, o PSD terá de tomar uma decisão: avança para as legislativas numa coligação pré-eleitoral com o CDS (e eventualmente com a IL) ou só admite entendimentos posteriores? Há uma certeza histórica - mas uma certeza de um tempo em que o CDS tinha alguma força (o que não é agora o caso): o PS nunca venceu coligações pré-eleitorais PSD+CDS.

Em 2011, o Bloco de Esquerda contribuiu para a demissão de José Sócrates ao votar contra o PEC IV. Na sequência desse chumbo, Sócrates demitiu-se, o país foi a votos e a direita, com Passos Coelho liderando o PSD e Paulo Portas liderando o CDS, recuperou a maioria absoluta, governando até 2015. O Bloco, esse, foi fortemente penalizado nas urnas. De 16 deputados passou para 8. E perdeu quase 270 mil votos. Esse "fantasma" do PEC IV ainda hoje preocupa os bloquistas.

A perceção é a de que penalizar o PS correndo o risco de dar a maioria à direita é algo que os eleitores do BE não perdoam ao partido, penalizando-o nas urnas (e isso não aconteceu com o PCP em 2011, tendo até conseguido passar de 15 para 16 deputados).

Além do mais, o BE vai chegar a estas eventuais eleições legislativas antecipadas claramente em perda, depois de um péssimo resultado nas autárquicas. Municipalmente, o partido tornou-se mais irrelevante do que nunca: tinha 12 vereadores espalhados pelo país e agora tem quatro. Tinha tido 170 mil votos em 2017 e agora obteve cerca de 138 mil. O único resultado bom foi no Porto (elegeu um vereador). O BE apresenta-se assim a votos fragilizado e ciente de que passará o tempo a ser acusado pelo PS de estar a repor a direita no poder. Sendo que, na opção face ao OE 2022, talvez não contasse desta vez ter o PCP a seu lado no voto contra - fator decisivo no chumbo.

Voltando a 2011. A verdade é que - ao contrário do que aconteceu com o BE -, a CDU (coligação com o PEV liderada pelo PCP) não perdeu votos por ter contribuído para afastar o PS de José Sócrates do poder. Pelo contrário: o grupo parlamentar até saiu ligeiramente reforçado, passando de 15 para 16 deputados.

Portanto, o que a história diz é que o PCP não perde votos por romper com o PS. Perde, na verdade, quando colabora com o PS. Tem sido assim desde 2015. Perdeu votos nas Europeias, nas legislativas, nas presidenciais e nas autárquicas. Sempre e consistentemente. E internamente, embora no tradicional modo ultrassecreto dos comunistas, surgem vozes que criticam duramente a liderança devido aos entendimentos com o PS, argumentando precisamente que isso tem provocado uma sangria eleitoral de grande dimensão.

Nas últimas autárquicas, a CDU só não perdeu em Lisboa, até ganhou, o que consolidou o candidato João Ferreira como o mais que provável sucessor de Jerónimo de Sousa na liderança do partido. Mas será a história se repetirá, comparada com 2011? Isso é o que falta saber. Para todos os efeitos, os comunistas vão enfrentar as legislativas estando há várias eleições a perder votos. E, seja como for, desmentirão sempre terem feito cálculos eleitorais na ponderação do seu sentido de voto (agora contra) neste OE 2022. Quando lutam intensamente, por exemplo, pela valorização da contratação coletiva, o que estão a fazer é a tentar, por um lado, aumentar os salários no setor privado mas também, por outro, a revalorizar de novo a influência do sindicalismo - e portanto da "sua" CGTP.

Tal como o PSD, também o CDS-PP irá enfrentar as eleições legislativas numa situação de forte convulsão interna. A liderança está atualmente a ser disputada entre o líder Francisco Rodrigues dos Santos e o eurodeputado Nuno Melo. O congresso onde tudo se resolverá - eleição do líder e dos órgãos de direção - foi marcado para o fim de semana de 27 e 28 de novembro, em Lamego.

Ganhando o líder ou ganhando Nuno Melo (cabeça-de-cartaz do setor portista do partido), a verdade é que todos as sondagens apontam para o esmagamento eleitoral definitivo do CDS, mesmo para a irrelevância absoluta, com transferências de eleitorado para a extrema-direita do Chega. Este é o risco que o CDS corre, depois de em 2019 Assunção Cristas ter conduzido o partido para um dos piores resultados da sua história (cinco deputados apenas, quando em 2011, última eleição onde se apresentou isolado, tinha tido 24).

Assim, a tábua de salvação poderá ser o PSD. Ou melhor: uma aliança pré-eleitoral eleitoral com o PSD que faça o partido eleger deputados e pelo menos adiar por mais uns anos a sua muito provável falência eleitoral - talvez até ganhando tempo para voltar a crescer. O que falta agora saber é se o PSD estará para isso disponível. E já agora, que PSD, o de Rio ou o de Rangel? Notoriamente, Rio entende-se melhor com "Chicão" e Rangel com Melo. Mas quando os centristas forem a votos internamente, a disputa no PSD não estará resolvida. Vão ter de escolher independentemente da escolha social-democrata.

De 2015 para 2019, o PAN passou de um para quatro deputados, com cem mil votos a mais (de 75 mil para 174 mil). Isso foi conseguido, em parte, por causa da liderança carismática de André Silva. Entretanto este decidiu afastar-se, sendo substituído por Inês Sousa Real - que agora terá o seu primeiro verdadeiro teste eleitoral. O PAN sempre foi colaborante com Costa e não foi neste OE 2022 que mudou de atitude (vai abster-se). Nas autárquicas revelou-se incapaz de crescer. É uma absoluta incógnita saber como se sairá das legislativas.

Todas as sondagens dizem que o novo partido da extrema-direita nacional está em crescimento, nalgumas até para terceira força, logo a seguir ao PS e ao PSD - e ultrapassando por isso BE, CDU e CDS. Não admira que André Ventura queira eleições o mais rapidamente possível. É mesmo bem possível que se torne numa força de charneira que decidirá se a direita tem maioria ou não. Com Rio ou com Rangel, o Chega não deverá chegar á governação. Mas terá força mais do que suficiente para influenciar fortemente as decisões.

A Iniciativa Liberal tem legítimas ambições de nas próximas legislativas antecipadas reforçar o seu peso no Parlamento, atualmente de um deputado. Espera, por exemplo, crescer por via da sangria eleitoral do CDS ou até de setores mais liberais no eleitorado social-democrata. Para isso, o que lhes convinha, mesmo, é que Rui Rio mantivesse a liderança.

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