O cinema português é o verdadeiro Herói Indie

O festival IndieLisboa arranca na próxima quinta-feira, dia 26, e a aposta é o cinema português. Daquilo que já vimos propomos algumas pistas seguras de uma edição que assume alguns riscos e cheira a petisco forte.
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O que é português é bom. Esse é o lema cada vez mais aberto do IndieLisboa, festival a chegar aos 15 anos e a perceber que é com a prata da casa que tem de ir à luta, sobretudo num panorama de atafulhamento de festivais, especialmente na capital. Abrir e fechar com cinema português é logo um sinal forte desse desígnio.

Nesta edição, que começa na quinta-feira, não é exagero pensar que a competição nacional é o prato forte do programa. Tem estreias mundiais, estreias nacionais e regresso de cineastas ao festival com créditos conquistados. A ideia dessa aposta faz sentido, nem que seja para chamar público: as sessões com filmes portugueses trazem sempre a equipa e muitos convidados ligados aos projetos. Além do mais, com a visibilidade internacional do festival, estrear aqui um filme não é sinal de rejeição lá fora, pode antes ser um sinal de começo de carreira. A direção do Indie compreendeu que é nos festivais que o cinema nacional tem maior visibilidade e que consegue inclusive ganhar o balanço do hype. E, decerto, compreendeu também que esta euforia em torno da corrente do made in Portugal nos festivais internacionais torna os filmes portugueses mais apetecíveis. Calhou bem esta vaga portuguesa perto do anúncio de Cannes, onde estão Gabriel Abrantes, Duarte Coimbra (a curta Amor, Avenidas Novas passa primeiro na competição das curtas e só depois em Cannes, na Semana da Crítica) e João Salaviza (traz precisamente ao Indie a curta que esteve em Berlim, Russa, o tal filme que pode arreliar Rui Rio).

As honras de abertura vão para Drvo/A Árvore, a primeira longa de ficção de André Gil Mata, que veio de Berlim a dividir opiniões. Um objeto exigente e que funciona como marca dos programadores do Indie: neste ano não há crowd-pleasers fáceis. O filme de Gil Mata está cheio de planos de sequência demorados, homenagens com mil vénias a Béla Tarr e uma carga de transe noturno potente. Um olhar poético às feridas que o tempo não consegue apagar nos Balcãs. No mínimo, uma escolha arriscada para celebrar a abertura de um festival.

No final, dia 6 de maio, as honras de encerramento têm preto e branco, com Raiva, a nova realização do campeão dos prémios do IndieLisboa, Sérgio Tréfaut, que adapta Manuel da Fonseca e o clássico Seara de Vento. Um elenco que mistura Herman José, Catarina Wallenstein ou Sergi López.

Trunfo fortíssimo da competição é Mariphasa, de Sandro Aguilar, que já tinha provocado sensação quando teve a sua estreia no Curtas Vila do Conde. É o melhor filme do criador da produtora O Som e a Fúria, um festim de negritude que é uma experiência de desestabilização para quem o vê. Uma trip tão sensorial e sónica que encena um mal-estar numa Lisboa toda de cinema. Tem Albano Jerónimo e Isabel Abreu, cujos rostos são exemplares para a instabilidade que aqui é convocada.

Sem atores de renome e apenas com não atores que fazem de si próprios está Tempo Comum, de Susana Nobre, outro favorito natural para o grande prémio nacional. A realizadora volta a experimentar misturar o tempo real e o tempo da ficção. Que o faça com tempos de cinema já era de esperar, sobretudo após Provas, Exorcismos, que há uns anos espantou a Quinzena dos Realizadores, em Cannes, mas que o faça com um cunho feminino indelével é que nos deixa revigorados. A experiência da maternidade num objeto que nos puxa sempre para ele. Muito complicado esquecer aquela cumplicidade entre Marta Lança e o seu bebé. Há filmes que não nos abandonam, e este é um deles.

Mas provavelmente o melhor filme português do festival não está em competição. O Homem-Pikante - Diálogos com Pimenta, de Edgar Pêra, está apenas nas sessões especiais. Um filme-entrevista ao poeta Alberto Pimenta filmado durante cerca de três décadas. Uma homenagem tóxica e esgrouviada a um criador português conhecido pelo seu carácter irreverente e pelas performances históricas como a do happening do jardim zoológico, em 1977. Pêra abre a porta (no sentido literal) ao universo Pimenta e deixa o espectador em estado místico. Ao que parece, uma obra que poderá nunca mais ser vista no grande ecrã - está sem distribuição garantida...

Das curtas já vistas há o "caso" Filipe Melo. O famoso pianista e autor de banda desenhada estreia-se como realizador em Sleepwalk, uma história americana baseada num conto seu de BD publicado na Granta. Imagens de sonho que mostram que Melo tem uma voz cinematográfica única e que Straight Story - Uma História Simples, de David Lynch, continua a inspirar muita gente. Aliás, uma secção prometedora, em que além de Amor, Avenidas Novas há um bem curioso Instruções para Uma Revolução, de Tiago Rosa-Rosso, e Russa, filme realizado a meias entre o brasileiro Ricardo Alves Jr. e João Salaviza. Ainda sem estarem vistos, algum otimismo para a estreia de Anjo, a estreia do ator Miguel Nimes, e Self Destructive Boys, de Marco Leão e André Santos.

Tudo isto numa edição que aposta em dois heróis independentes de peso: Lucrecia Martel e Jacques Rozier. A argentina e o francês vão estar presentes. Martel terá um encontro no dia 29 com moderação da cineasta Cláudia Varejão e Rozier apresenta-se ao público no dia 30, ao lado de José Manuel Costa e Maria João Madeira, ambos da Cinemateca, local onde todos poderemos fazer perguntas a este cineasta raro.

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