O cinema japonês de Wes Anderson abre Berlim

O realizador não falha no seu regresso à animação em Ilha de Cães, o primeiro filme de Berlim 2018. Uma fábula com charme nipónico
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A fasquia estava elevada depois de O Fantástico Mr. Fox. Wes Anderson a fazer animação stop-motion. Mais fantástico, a fazer animação japonesa com homenagem a Kurosawa e a Miyazaki. O festival de Berlim arrancou com um dos mais ansiados filmes do ano, Ilha dos Cães, com estreia em Portugal marcada para 25 de abril.

Pode-se dizer de caras que é um arranque feliz, uma animação para adultos que fala de totalitarismo e política num futuro que segundo Wes Anderson é o futuro que os japoneses dos anos 1960 imaginavam. Distopia onde numa cidade imaginada, Megasaki, um governante cruel ordena que todos os cães sejam levados para a Ilha do Lixo e proibidos de voltar aos seus donos. Na verdade, o plano contempla a futura destruição da raça canina. Pelo meio, uma criança de 12 anos consegue chegar até à ilha para recuperar o seu cão Spots, ao mesmo tempo que em Megasaki um bando de miúdos tem um plano revolucionário pró-canino.

Resta também informar que os cães não entendem japonês e que a sua língua é o inglês.

Delícia filmada com o timing (cronometrado, diga-se de passagem...) de comédia de Wes Anderson, Ilha dos Cães é também um filme sobre fascismo e revolução, sobre repressão e liberdade. Tem a geometria habitual dos planos do realizador de Os Tenenbaums - Uma Comédia Genial; a forma única de meter música e a marca registada dos diálogos, por vezes tudo isso até é sinalizado em demasia, quase em jeito de vaidade. Mas, dê por onde der, será sempre um dos grandes casos de simpatia do festival, um "agrada-multidões" convicto que confirma Anderson como um dos cineastas americanos com maior crédito no circuito dos grandes festivais. Resta apenas saber se não estará a fazer algumas concessões a mais ao gosto cinéfilo mais hipster... Ontem, na conferência de imprensa, dizia de forma blazé, que este projeto nasceu de uma ideia que teve com o ator Jason Schwartzman em fazer um filme sobre cães abandonados num contentor ao mesmo tempo que queria homenagear Kurosawa. Dá que pensar, não dá? Estava, provavelmente, na hora de Wes tentar o seu filme japonês.

Ilha dos Cães pode ser apreciado por crianças mas é para um público adulto que vai fazer mais sentido, quanto mais não seja pela sua afiada afinidade com os valores da ironia e da parábola. Este é daqueles que não poderá ser mesmo dobrado, sobretudo para podermos apreciar o espantoso trabalho vocal de nomes como Scarlett Johansson, Greta Gerwig, Yoko Ono, Bryan Cranston, Liev Schreiber, Bill Murray e Edward Norton.

Uma surpresa irlandesa

Para além da encantadora carta de amor de Wes Anderson à raça canina e ao imaginário nipónico, o festival mostrou à imprensa Black 47, de Lance Daly, com Hugo Weaving e James Frecheville, na seleção oficial fora de competição. Trata-se de uma boa surpresa vinda da Irlanda sobre um dos capítulos mais tenebrosos da colonização inglesa na Irlanda. Uma espécie de Rambo de época que vale, antes de mais nada, como um bem decente filme de ação.

A história fixa-se no ano de 1847 e narra o reencontro de dois veteranos de guerra, regressados do Afeganistão. Um deles é irlandês, o outro inglês. Na Irlanda rural acabam por se confrontar quando o irlandês decide planear uma vingança impiedosa contra a coroa inglesa.

Black 47 tem a secura de um western íntegro e com poucos diálogos. Há também uma interpretação do australiano James Frecheville que o pode catapultar para o estrelato e um belo papel de suporte para Freddie Fox, uma das jovens promessas do cinema britânico. Um objeto que apenas sucumbe quando tenta ter uma esquemática representação da vilanagem do típico inglês colonizador. Isso era dispensável.

Em Berlim

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