O cientista que explica o universo através do sinal do rosto de Marylin Monroe
Vive nos Estados Unidos onde é titular da cátedra Appleton de Filosofia Natural e exerce a docência no Darthmouth College, onde também coordena uma equipa de investigação em física teórica. Uma das suas regras de vida é a necessidade de humanizar a ciência. Considera que não é uma disciplina fria e desprovida de emoção, pelo contrário, define-a como «emocionante e emocionada». Afinal, garante, «as pessoas que a estudam são apaixonadas pela ciência ou não lhe dedicariam a vida toda». Para Gleiser, o conhecimento científico espanta e coloca cada vez mais questões que põem em causa a ordem tradicional das crenças, mas, adverte, «ainda só temos quatrocentos anos de ciência. Esperemos pelos próximos mil anos e, então, veremos como será o nosso saber».Publica semanalmente, há 14 anos, uma crónica dominical sobre a sua área de estudo no jornal Folha de São Paulo, tem participado em vários programas de divulgação científica e regressa ao seu país de origem umas cinco ou seis vezes por ano. Para Marcelo Gleiser a física não surgiu de um dia para o outro como profissão. Desde pequeno que se lembra do interesse pelos assuntos desta disciplina, bem como de aborrecer o pai, dentista, com perguntas constantes sobre a razão do Sol brilhar ou de a Terra ser azul.Mas o seu bang para a física acontece quando recebe no dia de aniversário dos 13 anos uma fotografia autografada do cientista Albert Einstein: «A partir daí, Einstein transformou-se no templo onde eu queria entrar e fazer descobertas.» Uma das cadeiras que lecciona na universidade norte-americana onde trabalha chama-se A Física dos Poetas porque, afirma, «foi um curso pensado para humanistas com interesse nesta área». Nessas aulas, acrescenta, «crio muitas metáforas e imagens, de modo a tornar a linguagem própria para que as pessoas entendam o conhecimento da ciência». É também assim que quer contrariar a Teoria do Tudo - a que reúne numa só estrutura as leis da física que ordena os átomos e as partículas subatómicas, bem como as galáxias - com que os cientistas pretendem explicar todo o universo através da sua própria teoria de uma Criação Imperfeita.Para o físico brasileiro, as imperfeições, a assimetria e os erros na duplicação do código genético encaixam-se na sua proposta de humanocentrismo, para explicar a existência do que nos rodeia até ao mais recôndito lugar a milhões de anos-luz.Se essa explicação de Marcelo Gleiser tem um lado científico de difícil compreensão, também no-la dá de forma bastante clara no capítulo intitulado «O sinal de Marylin Monroe», em que explica como a perfeição se revela por a actriz só ter uma pinta num lado do rosto e não ser simétrico. Ou seja, falando cientificamente, «a arbitrariedade nos valores constantes fundamentais da Natureza incomoda muitos físicos». Foi também de uma forma simples que, sentado no salão de um hotel de Lisboa, o cientista respondeu às questões que lhe foram colocadas sobre as grandes dúvidas do Homem perante o mundo em que vive. Abre-se o livro Criação Imperfeita e logo na página dois encontra a palavra Deus. Entidade que é uma constante neste seu trabalho mas que, na sua opinião, não é «O» responsável pela criação do universo?Tenho muito respeito pela religião, mas este livro conta uma história do universo construída cientificamente e não através de revelação divina. Tento mostrar que a ciência é uma construção da humanidade, que tem limites e não possui respostas para tudo. Quando isso se verifica, normalmente invoca-se Deus para tapar os buracos - o chamado Deus das lacunas. Só que eu prefiro ficar na ignorância e sem saber todas as respostas, esperando encontrá-las um dia.Nem todos aceitam ficar com essas lacunas?Não é só agora que isso acontece! Mas a definição da ciência é a busca de respostas. É fundamental o não saber na ciência para procurar as respostas. Essa é a pré-condição para criar conhecimento, mesmo que à medida que a ciência avança as respostas que vão surgindo sejam mais complicadas. Neste livro refiro como é que o conhecimento humano depende da interacção com o mundo e de termos construído uma imagem própria face ao que nos é permitido observar. Para ir mais em frente, precisamos de instrumentos científicos que nos permitam ir para além do que é visível e que nos dêem janelas para o mundo invisível aos nossos olhos actuais. Só a ciência é que dará respostas a essa realidade.Segundo o Antigo Testamento, foi essa curiosidade que castigou Adão e Eva!A questão do valor ético da ciência, de ela estar entre o bem e o mal, coloca-se de cada vez que a utilização da tecnologia possa ter fins menos pacíficos. Só que essa questão não têm que ver com a ciência mas com o seu uso e isso escapa aos cientistas. Todos nós sabemos que a descoberta do nuclear foi importante, mas que a utilização da energia nuclear tanto pode ser feita para o bem como para o mal.Justifica-se o investimento de milhões em experiências científicas como a do CERN?A ciência de ponta é muito cara, e isso vê-se bem com a construção do acelerador de partículas [LHC] do CERN. Justifica-se gastar tanto? A única coisa que posso dizer é que o LHC é uma gota de água, basta comparar com o custo da construção de um porta-aviões, que é muito mais caro. Depende do que queremos e dos benefícios que pode trazer, como é o caso do LHC, em que as características abstractas do que aí se faz têm muitas aplicações práticas.A curiosidade do homem vem desde sempre. Qual a razão?Todas as culturas fazem a pergunta sobre a sua origem, de onde viemos, para saber o que vamos fazer. É profundamente humana a questão sobre quem somos. A ciência é a resposta moderna a essa questão. O meu objectivo não é questionar a existência de Deus, é fazer uma exposição sobre o que se conhece do universo; do que cria as estrelas e as pessoas como resultado das suas assimetrias.Estamos sós no universo?Sim. E se não estivermos sós, estamos praticamente sós, porque as distâncias são tão gigantescas que a possibilidade de existir outra inteligência no universo é quase nula. Esse era o tema do filme Contacto, que refere neste livro. O que acha da teoria de Carl Sagan?Dentro daquilo que a ciência permite explicar, acredito. Só que utiliza o conceito de Buraco de Vermes que é ainda extremamente especulativo. O problema de um contacto com outras civilizações são as distâncias e haveria que inventar formas muito mais rápidas de as percorrer. É preciso não esquecer que para ir a Alfa Centauro, que é a estrela mais próxima do Sol, com a tecnologia actual, demoraríamos 110 mil anos! Além de que acreditar que essa tecnologia avançada existe noutro lado pode fazer-nos pensar que eles são «deuses». Não é por acaso que nasceu uma perspectiva teológica, a Teologia Cósmica. E aí, pergunto: onde é que se faz a divisória entre o Deus tradicional e uma raça extraterrestre capaz de coisas impensáveis para nós? Será que nos inventaram? Agora que executamos experiências genéticas há campo para todas as hipóteses.Somos os únicos que temos a consciência do universo?A consciência define quem nós somos: um agregado de átomos que tem a capacidade de questionar a sua existência. É fantástica essa transição da matéria inanimada para a animada e depois para a consciente - que é o que somos. Em vez de atribuir isso ao sobrenatural, atribuo-o ao natural, porque o facto de sermos fruto do acaso ou do acidente não nos menoriza. Afinal, sermos capazes de pensar sobre questões tão profundas faz-nos muito importantes.Preocupamo-nos com o universo mas não com o planeta! Muita gente tem essa preocupação, até porque é obvio que o planeta Terra é finito. A Terra é rara e precisa de ser protegida, o que não acontece com tanta gente no planeta e estes recursos.Com o nosso conhecimento actual, não se sente primitivo face ao seu total? Há cientistas muito arrogantes, mas eu tenho uma posição muito humilde e cada vez acho que sei menos. A ciência deveria trazer humildade porque a natureza mostra que é mais criativa do que nós.A Terra está, no seu entender, de novo no centro do nosso universo?O que proponho é um humanocentrismo que mostre como a vida é importante e fundamental. Quando o homem volta a ocupar o centro do universo, não é geométrico ou teológico, mas moral.Então, é a ciência a substituir a religião?Têm funções bastante diferentes e a ciência não pretende substituir a religião. A fé pode ser abalada pela ciência, mas quem tem fé não deve pensar que Deus é o professor de Física que está a substituir o docente que faltou. Quem tem fé deve pensar em Deus de uma forma diferente e é mais prudente manter o seu Deus afastado de um que tenha criado o mundo e que explica tudo.Mas todas as religiões põem Deus no centro?Existem algumas que não o fazem, o budismo por exemplo. Há outras maneiras de pensar a espiritualidade. Penso que, se as pessoas estão à procura de uma nova espécie de espiritualidade, a ciência pode provê-la sem a crença no sobrenatural. O que digo é que a visão moderna da ciência mostra que o universo é feito de matéria e nós somos poeira das estrelas. Não é só poética mas profundamente espiritual o que une o homem ao universo.4 livros para esclarecerA divulgação do conhecimento costuma ser efectuada de forma simples ou complexa, raramente a mediania entre ambos os modos é opção para os estudiosos das várias matérias. No entanto, a edição em livro conta actualmente com essa variável intermédia bem mais frequentemente do que até há algumas décadas. Stephen Hawking tem explicado as teorias sobre o universo de maneira a ser entendido pelos leitores comuns e António Damásio penetra no cérebro com a plena consciência de que lhe é exigido ser entendido pelas massas. Essa situação não exige a mediocridade das conclusões nem o explanar simplório das investigações, apenas saber comunicar. É essa aproximação que se encontra no volume recém-editado de Marcelo Gleiser e noutros livros de que a seguir se vão referir. Intitula-se Criação Imperfeita (Temas e Debates) o volume escrito por Marcelo Gleiser, que pretende explicar como a nossa actual visão sobre o universo está em permanente mudança. Para o cientista, as descobertas das últimas décadas deveriam já ter feito o homem entender que «é inútil prender-nos à actual descrição do universo. Não há dúvida de que ela irá mudar. As novas tecnologias forçar-nos-ão a olhar de um modo diferente para o mundo. A nossa visão cósmica é um reflexo do quem somos». O volume é dividido em cinco partes, tendo o primeiro capítulo por título «Criação», a premissa mais polémica da história do universo em que o homem se encontra. Em seguida, Gleiser vai percorrendo as propostas de explicação que existem através de Pitágoras, Kepler e de muitos outros cientistas da história da humanidade, como os que reencontram certezas nas fórmulas quânticas ou na Teoria das Supercordas. A forma como todo este conhecimento chega ao leitor é capaz de gerar alguma perplexidade, mas o modo como nos é proposto sossega. Intitula-se Isaac Newton (Casa das Letras) o volume escrito por James Gleick, que pretende dar-nos a conhecer um dos mais importantes protagonistas da história da descobertas científicas. Sem ele, muito do nosso mundo actual ainda estaria uns bons passos atrás, mesmo que tenha sido uma criança infeliz e um homem sisudo durante a sua vida adulta, assustando todos os que se lhe chegavam perto no Trinity College, em Cambridge. Mas a sua fama era tanta que pela primeira vez houve um cientista com direito a funeral de Estado. Gleick sabe dosear as partes da ciência com as humanas, facto que pode ver-se nesta confidência realizada nos dias que antecederam a sua morte. Dizia Newton: «Não sei o que pareço ao mundo. Aos meus olhos sou apenas um rapaz que brinca na praia e se diverte, que de vez em quando encontra um seixo mais liso ou uma concha mais bonita do que o costume, enquanto o grande oceano da verdade permanece por descobrir diante de mim.» E Gleick sabe melhor do que ninguém dosear esta biografia, porque logo a seguir esclarece o leitor que Newton nunca brincara na praia - talvez nunca tenha observado o oceano - pois o pai era um agricultor iletrado, que vivia no interior do país, mesmo que tenha sido o cientista a explicar o modo como o Sol e a Lua criavam as marés através da atracção gravitacional. Esta biografia de Isaac Newton é uma boa introdução ao trabalho de uma vida, que, como ele escreveu em determinado momento, «explicar toda a natureza é uma missão demasiado difícil para um só homem ou mesmo para uma dada época».Intitula-se Evolução (Temas e Debates) o volume escrito por Edward J. Larson, que pretende ser um guia introdutório a um dos segredos mais bem guardados do homem, a sua origem e evolução. Reúne uma dúzia de capítulos, notas e um guia para leituras complementares, que tentam mostrar o longo caminho da história do protagonista do planeta Terra, o Homem. A primeira frase do livro é clara: «Os evolucionistas do século xix encaravam a Terra como um grande laboratório ou oficina do desenvolvimento orgânico: uma esfera tremeluzente que rodopiava num universo amplo.» Essa visão fez/resultou de um novo entendimento para o nosso mundo como resultado de uma opção biológica que tem início nas grandes descobertas da geologia e da paleontologia que se verificaram nos fins do século xviii e que formaram Charles Darwin e as suas teorias sobre a origem do homem. Teorias que até hoje ainda são questionadas, mas que na contemporaneidade eram de muito mais difícil aceitação, mesmo que fenómenos sociais como a Revolução Francesa e a industrialização da Inglaterra tivessem criado chão para um mais fácil germinar de ideias perturbadoras da visão religiosa dominante. A recente comemoração dos 150 anos da Teoria da Evolução de Darwin trouxe novamente estas questões ao debate popular e não terá sido por acaso que o cientista, ao embarcar no Beagle para a viagem que lhe explicaria as bases para a sua revolução científica, escreveu no seu diário que «não tinha a menor dúvida de que havia de arrepender-me muitas vezes de tudo isto». O facto é que Darwin veio das ilhas Galápagos com provas que o empurraram para a escrita e publicação das investigações que até hoje são polémicas. Neste livro, Larson descreve os capítulos que levaram o conhecimento até ao tempo do naturalista, desde as teses de George Cuvier até ao debate mais contemporâneo, que teve grande impulso com a descoberta do ADN e a actualidade, baseado na teoria sintética neodarwiniana e a sociobiologia.Intitula-se Introdução à Filosofia da Religião (Verbo) o volume escrito por William L. Rowe, que pretende justificar as crenças religiosas desde a Antiguidade. A experiência directa de Deus e a percepção de factos por não crentes, entre outros pontos, constroem esta Introdução, escrita por um dos principais estudiosos do tema. «A ideia de Deus» é o capítulo que inicia os leitores, a que se seguem argumentos cosmológicos, ontológicos e do desígnio. A pluralidade de religiões fecha o percurso do estudo de Rowe dedicado à filosofia da religião. O autor considera que oferece ao leitor a possibilidade de dar os primeiros passos neste estudo tão complexo, seja para crentes ou não crentes.