O chanceler da unidade, a alemã e a europeia
"Choramos", diz o tweet, ontem escrito na conta da CDU a propósito da morte de Helmut Kohl. Tinha 87 anos e morreu durante a manhã em casa, em Ludwigshafen, no estado da Renânia-Palatinado. Choramos, no plural, porque não são só os alemães que devem a Kohl, mas todos os europeus. Chanceler da unidade, como foi apelidado, a par de Otto von Bismarck, ficou para a história como o pai da reunificação alemã e um dos políticos na génese da moeda única, defensor de um continente europeu unido onde nunca mais houvesse guerra entre os vários países (o seu irmão mais velho morrera em combate na II Guerra Mundial). E, de facto, nunca mais houve.
Kohl foi, desde a II Guerra, o líder alemão que mais tempo esteve no poder - 16 anos - entre 1982 e 1998. A sua discípula, Angela Merkel, chanceler e líder democrata-cristã, leva já 12 anos no governo. Se nas legislativas alemãs de 24 de setembro conseguir ser reconduzida para um quarto mandato, poderá pelo menos igualar aquele recorde. Reagindo à sua morte, em Roma, visivelmente emocionada, Merkel, "a menina de Kohl", como um dia lhe chamou por ser a ministra mais jovem do seu gabinete, disse: "Mudou a minha trajetória política de forma decisiva e estou grata."
A chanceler descreveu Kohl como um homem inteligente, que leu a tempo os sinais da história após a queda do Muro de Berlim, a 9 de novembro de 1989 (tinha chegado ao poder em 1982, após moção de censura a Helmut Schmidt, sendo reeleito em 1983, 1987, 1990 e ainda em 1994). Merkel disse que o fim das duas Alemanhas (a reunificação foi a 3 de outubro de 1990 ) foi "a maior obra de arte política", fruto da capacidade que teve de ler de forma correta as manifestações pró-democracia na ex-RDA, sendo "o homem certo na altura certa". Foi, sublinhou, "um golpe de sorte para nós alemães". Descontando alguns embates mais duros, valendo-se da amizade que tinham, Kohl conseguiu que a reunificação alemã fosse aceite pelos líderes soviético Mikhail Gorbachev, norte--americano George H. Bush, britânica Margaret Thatcher e francês François Mitterrand (os dois primeiros ainda estão vivos).
Com este último, selou a unidade do eixo franco-alemão, considerado o motor da União Europeia. Kohl e Mitterrand são dois dos arquitetos do Tratado de Maastricht, que deu origem ao euro. Unidos por uma mesma moeda, os países dificilmente entrariam em guerra. Apesar de seu padrinho político, Kohl não se coibiu de criticar Merkel, já depois de se reformar. No livro A Preocupação com a Europa, o ex-chanceler defende a integração europeia e desaprova o tratamento dado aos países sob resgate. Responsabiliza os seus sucessores pela crise na zona euro.
Merkel sucedeu-lhe na liderança da CDU após Gerhard Schröder ganhar as eleições para os sociais--democratas em 1998 e de vir a público um escândalo sobre o financiamento do partido. Kohl, tal como Wolfgang Schäuble, que era presidente da CDU, recusaram divulgar a origem do dinheiro. Tragédias pessoais, como o suicídio da mulher, Hannellore, em 2001, e desavenças com os filhos por decidir casar-se com a secretária, Maike, quebraram a sua imagem. O contributo, porém, ficou. Como lembraram ontem vários líderes, do presidente russo Vladimir Putin, ao português Marcelo Rebelo de Sousa. No El País o ex-primeiro--ministro espanhol Felipe González lembrou uma frase dita por Kohl: "Nunca mais uma Europa alemã. Eu quero uma Alemanha europeia." Para memória futura.