O chá, o lenço, a oração, o casamento. Como vivem os turcos
Renato mudou-se para a Turquia há três anos, depois de se ter apaixonado por uma turca em Lisboa. Casaram e preparam-se para ser pais pela segunda vez. "Naquela altura, o melhor era vir para cá. Agora, se calhar o melhor é voltar para Portugal". A segurança que sentia em Istambul deu lugar ao medo. "Começaram a rebentar muitas bombas". Mudaram-se para Çorlu, a 80 quilómetros a oeste da capital, para tentar ter uma vida mais sossegada. Mas, apesar de terem estado longe da tentativa de golpe de estado, o sentimento de insegurança agravou-se. Ponderam voltar para Portugal.
Quando chegou, o engenheiro civil, de 36 anos, ficou um pouco "chocado com o facto de muitas mulheres andarem cobertas com o lenço". Além da "fratura" social. Situada entre a Europa e a Ásia, a Turquia é um país onde "se nota uma diferença entre as pessoas de classe média e alta, que têm uma vida mais europeia, e as mais pobres, que seguem uma filosofia mais islâmica".
Renato adaptou-se aos costumes e ao País. Mas ainda é difícil não perder a paciência no trânsito. "Há tanta gente em Istambul que é impossível não haver trânsito. Demoro três horas para fazer 10 quilómetros". Teve um casamento pequeno, o que não é normal na Turquia, onde facilmente chegam aos mil convidados, que "em vez de prendas ou dinheiro, oferecem medalhas de ouro". Há uma certa pressão social para o casamento, reconhece, pelo que também existem muitos divórcios. Em casa, os sapatos ficam na entrada. Um costume turco, tal como receber os convidados com chá. "Quem é religioso não bebe."
A Turquia, diz o ex-ministro Paulo Pedroso, é o país da cultura do chá. "Toda a gente bebe chá, a toda a hora", conta o consultor da União Europeia em Ancara. Há cinco anos a viver no País, diz que essa é uma diferença notória em relação à vida em Portugal. Quanto à disponibilidade de álcool, Paulo Pedroso diz que há zonas onde quase só se encontra nos hotéis e outras onde é tão fácil beber como em Lisboa. "É um país com contornos socioculturais muito distintos entre as zonas", explica.
As mesquitas chamam para oração cinco vezes por dia. "Ao fim de dois dias, já nos habituámos", assegura o ex-ministro. Paulo Pedroso diz que "há muita polarização, divisão de opiniões, e não só na política". Os segmentos urbanos "são muito europeus", mas há um grande "fosso cultural." Por vezes, adianta, mudar de bairro é quase como mudar de País.
Há situações em que homens só podem estar com homens e mulheres com mulheres. "No autocarro, um homem não pode pedir para se sentar ao lado de uma mulher", exemplifica. Mas "não é o Estado que impõe, são as pessoas que lutam por um direito que consideram seu".
O futebolista André Castro, 28 anos, está há três anos na Turquia. Joga no Kasimpasa e vive com a mulher e o filho em Gokturk, uma pequena cidade na periferia de Istambul. "As pessoas são muito simpáticas e acolhedoras. Só nos últimos meses é que comecei a sentir medo", confessa.
No clube, André sente-se como se estivesse em qualquer clube europeu. Mas há uma diferença que destaca. "À sexta-feira, entre as 12.00 e as 13.00, todos os muçulmanos vão para a mesquita rezar. Se tivermos de fazer uma viagem, só vamos depois." Outra coisa que o português estranha é a rapidez com que as coisas passam. "Hoje [ontem] estava tudo bem. A vida continua, parece que as pessoas se esquecem. Tudo voltou à normalidade com muita rapidez. Se fosse em Portugal, o País parava".
Albino Santos, que desde 2014 tem passado várias temporadas na Turquia, realça que "há diferenças gritantes" entre Portugal e a Turquia, como "a falta de liberdade das mulheres": "Eles entendem que a mulher deve servir o homem." Ao nível emocional, fala de um povo que, regra geral, é "muito reativo".