O cerne da questão

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Portugal precisa de uma reforma da Defesa, desde há muito. Uma reforma que reconheça a radical alteração geopolítica por que o País passou desde o 25 de abril. É claro que têm sido feitas várias reformas, mas nenhuma definiu de forma clara qual o modelo de forças armadas que o País precisa, em função dos objetivos politico-estratégicos estabelecidos, nem estabeleceu uma clara e coerente organização do Estado para otimização dos recursos escassos. Ou seja, uma reforma objetivamente pensada em função do quadro de interesses nacionais e respetivas prioridades, um assunto que nunca foi abordado em termos úteis para um planeamento consequente de capacidades.

Uma alteração da estrutura superior de comando, através de atribuições mais abrangentes ao CEMGFA, não dá qualquer garantia de que essa reforma vai, finalmente, acontecer. Nem sequer constitui um contributo. Configura apenas uma concentração de poderes no CEMGFA, num quadro nebulo de indefinição de prioridades, que, para ser esclarecido, requereria uma vontade política que não é evidente existir. Bem pelo contrário.

O assunto tem sido extensivamente abordado nos órgãos de comunicação social e objeto de declarações demolidoras do processo que está a ser usado, entre muitas, por parte de individualidades que que merecem todo o respeito dos portugueses.

Entretanto, o ministro da Defesa Nacional conseguiu fazer sair uma publicação do Instituto de Defesa Nacional que reúne uma análise das estruturas militares superiores de vários países, numa óbvia intenção de sustentar o argumento em que se tem baseado para avançar com as alterações pretendidas.

Não tenho nada de substancial objetivamente contra o conteúdo do documento. Aliás, é da autoria de uma pessoa que conheço bem e me merece o maior respeito e consideração. Acontece, apenas, que não introduz qualquer elemento novo para discussão do assunto, pois o tema é bem conhecido dos seus principais opositores. Não adianta nada sobre como os países em causa encaram as suas questões de Defesa, como têm estruturado o seu pensamento e organização do Estado, em função da sua condição geopolítica.

Se o objetivo é comparar, para eventualmente seguir o caminho dos outros, então o âmbito da comparação tem que abranger todos os aspetos do tema e não apenas o particular da estrutura superior. Tem que abordar os respetivos pensamentos sobre a Defesa, as estratégias adotadas, a organização do Estado, principalmente na forma como concebem a articulação do poder militar com os restantes elementos do poder nacional, no modo como encaram a inserção das políticas militares na política geral do Estado, etc. O documento do IDN, na minha análise, falha esse requisito.

Se não se olhar para a questão de forma global, começando por uma revisão do conceito estratégico de defesa nacional, então teremos mais uma tentativa com grande probabilidade de fracasso. É o alerta que nos deixam os políticos experientes, ao lembrar que arranjos pontuais que não têm em conta o contexto particular, normalmente não resultam. Se se trata de aprender com a experiência dos outros, conviria começar por aqui.


Vice-almirante, ex-vice-chefe do Estado-Maior da Armada

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