O caso fedorento

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Quando o primeiro episódio de Lopes da Silva chegou ao fim, sexta à noite, na RTP1, fiquei algo perplexo. Ok, é óptimo, tem imensa piada. Mas isto é o Gato Fedorento que já conhecíamos. Então? É verdade que já não me lembro da última vez de uma estreia tão ansiada em televisão generalista (excluo desta contabilidade os reality shows, que atraem não necessariamente pelos programas em si, mas pelos elementos de choque que possam conter). Grandes expectativas, afinal, geram sempre anseios exagerados.

Rewind, revisão da matéria. O humor do Gato Fedorento não é evidente e desafia, logo aí, os cânones consagrados da televisão generalista, os quais impõem como regra o objecto para consumo instantâneo e irreflectido. Como o humor automático e mecânico que tomou conta do horário nobre da SIC e da TVI. Agora, o serviço público mudou de agulha. Aceitou o risco de um desafio difícil, o da qualidade. E, sobretudo, de fazer televisão para dizer qualquer coisa aos espectadores. Procurar a receita mínima para obter a máxima audiência não é fazer televisão.

Em matéria de números, a estreia de Lopes da Silva até correu muito bem: 1,2 milhões de pessoas e menos três pontos percentuais do que a novela do momento, que é de outro campeonato. O Gato Fedorento dispensa a pressão de ter de vencer no horário mais competitivo da televisão. O importante é estar nesse horário.

Vale a pena lembrar o momento desastroso em que a SIC testou o humor do quarteto fora do cabo, recuperando um episódio antigo para remendar um buraco no período de acesso ao horário nobre. O resultado foi péssimo em termos de audiências e o caso precipitou a saída do Gato Fedorento do canal de Carnaxide, aparentemente sem gerar grandes angústias por lá? A RTP não se fez rogada. Nuno Santos mostra, como Moniz fez no passado, como o canal normalmente em terceiro lugar (a aproximação da RTP1 à SIC é relativamente recente) pode fazer bom uso do que os outros menosprezam. E é preciso dizer que a indústria que hoje louva o Gato Fedorento nem sempre os teve em grande consideração. E isso não acontecia só para as bandas de Carnaxide?

Quanto ao episódio de estreia propriamente dito, foi muito bom. Parece que vou exagerar, mas desculpem lá, tem mesmo de ser. Os sketches são todos muito bons, em todos os planos, do texto ao trabalho de interpretação destes não actores. Do comício no qual a assistência grita "Nada! Nada!" com o 1492, de Vangelis, em fundo, à guerra dos conventos, é perfeito.

Erro meu, boa fortuna. Eu acreditei que, para vencer no universo generalista, o Gato Fedorento teria de encontrar uma linha de evolução. Mas o que tinha de mudar eram apenas os valores de produção, que eram abaixo de zero no tempo da SIC Radical. Mesmo assim, a economia de meios permanece um elemento de rigor: para fazer um bom sketch, basta-lhes uma canoa numa rua. E essa a matéria de que é feito o génio.

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