O casamento dos meus sonhos

Entre alianças, fatos, cerimónia e tantas outras preocupações, o dia mais feliz da vida dos noivos é também o mais caro, o que exige esticar um orçamento menos elástico em tempo de crise. Mas não há como uma pitada de criatividade para se fazer uma festa de arromba.<br /><br />
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A imagem da mulher amada a avançar pela mão do pai, vestida de branco, com a emoção contida por detrás do véu e das flores, deixa sempre no noivo a suspeita de que não existe ninguém que pudesse encaixar melhor em si, ou pessoa mais bonita no mundo. A noiva é, de facto, a estrela do casamento, mas nem assim se pode descurar a roupa do noivo, dos padrinhos e meninos das alianças, o espaço da cerimónia e do copo de água, a ementa, as bebidas, o bolo, a decoração, os convites, o bouquet, as fotografias, a música. Todos estes itens somados, o dia mais feliz da vida dos nubentes é também o mais caro e torna-se imprescindível definir um orçamento que poderá não ser dos maiores em tempo de crise. Mas porque mais caro nem sempre significa melhor, o casamento de sonho ainda é possível.
«Os custos foram calculados desde o início, estabelecemos os dez mil euros como limite já com tudo incluído, e vamos fazer exactamente o que queríamos, até porque não pretendemos nenhuma extravagância», revela Cátia César, 25 anos. Cátia conheceu o noivo, Tiago Ferreira, um ano mais velho, por intermédio de amigos comuns. Daí até perceberem que não se iam mais largar foi um instante, o amor cresceu ao ponto de se mudarem os dois do Porto para Madrid, onde ela é técnica de qualidade na Electronic Arts e ele trabalha como programador na mesma empresa. «Acreditamos que somos a cara-metade do outro, namoramos há cinco anos, vivemos juntos há dois. O casamento pareceu-nos o passo lógico, não tinha nexo deixar passar mais tempo», sustenta Tiago, resumindo a convicção de ambos.  
Por estarem a morar em Espanha e quererem casar cá, a logística tem sido mais difícil de gerir do que o dinheiro para a boda, mas até ver os namorados têm tudo controlado: casam-se a 29 de Julho de 2011, já marcaram a quinta no Porto onde vão dizer o «sim» à senhora do registo e fazer a festa – tiveram a sorte de encontrar exactamente o que queriam após uma primeira triagem na Internet e a visita a meia dúzia de quintas na última vinda a Portugal –, o espaço assegura a decoração e o bolo, ela já comprou o vestido e ficou-se pelos 1100 euros, quando tinha estabelecido para si mesma um limite de dois mil caso se apaixonasse pelo modelo mais fantástico do mundo. Ainda não existe fato do noivo nem sapatos, mas o que quer que comprem será algo que possam usar noutras ocasiões. Em compensação, já têm casa montada e tudo o que receberem de presente (preferencialmente dinheiro) poderá ser de grande ajuda na lua-de-mel que tencionam guardar para o fim do próximo ano ou no abate da despesa final, com a qual estão dispostos a arcar sozinhos dado que os pais ainda não se pronunciaram no sentido de ajudá-los.
«Julgo que as empresas encarecem os preços por acharem que os noivos estão dispostos a pagar tudo o que lhes pedem, mas também é verdade que quem quer casar pode fazê-lo por cerca de 200 euros, que é quanto custa ir ao registo», afirma Cátia, adepta de uma cerimónia simples que lhes vai permitir caprichar um bocadinho mais no catering por terem decidido levar apenas setenta convidados, entre família e amigos mais chegados. «A nossa maior dificuldade tem sido dizer que queremos as coisas simples, sem grandes elaborações, e eventualmente até trocar excentricidades como o fogo-de-artifício, o canhão de bolas de sabão e os vulcões de fogo por mais um convidado ou pela música, por exemplo», sublinha Tiago, consciente de que aquela tarde será sobretudo deles, à medida dos seus gostos, não uma projecção dos sonhos dos pais. «Há uns dias estávamos a falar, perguntámo-nos se não valeria mais a pena investir todo aquele dinheiro de um dia num carro ou numas férias, e concluímos que não», concorda Cátia. Os dois sabem que não será o papel passado a fazer que gostem mais um do outro, mas também acreditam que o cerimonial não é para repetir com ninguém, nunca mais. «Só por isso já seria o casamento dos nossos sonhos», dizem.

Ousadia à prova de derrapagem
Existem dezenas de cerimónias possíveis e os próprios noivos podem melhorá-las, combiná-las, transformá-las e criar as suas, em pacotes simples ou mais sofisticados, logo que decidam o que pretendem fazer, onde, para quem e por quanto, sem receio de se enganarem na medida. «Apesar dos toques modernos que se possam dar, muitos casais numa relação mais séria sentem que falta algo se não celebrarem o seu casamento», considera Maria Cunha, co-fundadora do portal O Nosso Casamento – uma ferramenta online que recebe diariamente mais de vinte mil noivos em busca de dicas, opiniões e respostas relativamente a particularidades do grande dia – e autora do livro homónimo que se assume como uma espécie de bíblia para noivos aflitos. «A cerimónia será para sempre recordada como um momento especial e único na vida de um casal. E os noivos, hoje em dia, querem mostrar o seu amor, o seu estilo e simplesmente divertirem-se numa festa com quem mais estimam», resume a especialista, ciente de que com maior ou menor ponderação, com maior ou menor capacidade financeira, o preço médio de um casamento em Portugal ronda os vinte mil euros, contas feitas a tudo.
Só os casamentos celebrados no país em 2009 terão movimentado mais de 800 milhões de euros. Uma pequena ronda às lojas permite perceber porquê: um vestido de noiva sem nada de excêntrico pode ir de 500 a três mil euros, os sapatos – normalíssimos – custam qualquer coisa entre 40 e 150 euros, a lingerie outras largas dezenas, um fato dos mais simples para o noivo custa entre 400 e mil euros, os botões de punho uns 50, os sapatos entre 50 e 150 euros. E isto sem esquecer o ramo – entre 70 e 200 euros quando se diz que é para um casamento, porque de outra forma não custa mais de 30 –, o fotógrafo, os convites, o processo civil, a recepção em casa dos pais, o espaço, o catering, as flores, as alianças, as ofertas para os convidados, o penteado e a maquilhagem da noiva, da mãe e das madrinhas, a lua-de-mel, a animação, o transporte, o local para a noite de núpcias. Com tantos gastos acumulados em tão pouco tempo, não admira que sejam cada vez mais os casais a procurar maneira de contornar estas formalidades com um pouco de imaginação, apostando em looks modernos que lhes permitam aligeirar a cerimónia, lançando-se na onda do «faça-você-mesmo» ou mobilizando os convidados mais habilidosos para darem uma ajuda nos convites, nos arranjos florais, nas decorações ou no bolo.
Mónica Alves é uma noiva de Janeiro, casa-se no dia 8 do próximo ano com Rafael Campos, e é de opinião que não se pode deter a força inflamada de duas pessoas determinadas ao enlace. Nesse caso não importam tanto as contenções orçamentais, o aparato da festa, a vontade dos pais ou a escassez de ajudas, pois o casal arranja sempre forma de consolidar a sua união a contento, mostrando que mais importante que os tules, os arranjos e as transparências é o amor que os liga a todos naquele dia. «Começámos a preparar as coisas com cerca de um ano de antecedência, demos a nós mesmos o limite de 15 mil euros e temos resolvido as coisas com muita facilidade», revela a nubente de Guimarães, para quem o facto de fazer animação em festas infantis e de ter uma loja de roupa de bebé e criança que a treinou a organizar-se veio ajudar muito no processo.
«Mais importante do que a comida é a diversão, a comunhão entre as pessoas, por isso não estou preocupada com o que falta fazer», sustenta, feliz porque conseguiram acordar um bom orçamento com o espaço que escolheram em Vizela (cerca de 60 euros por pessoa, a multiplicar por 150 a 200 convidados), a lua-de-mel, os convites e as flores serão ofertas dos convidados, a sogra ajudou com os móveis para a casa, a animação (música e peça de teatro) fica a cargo de amigos e até as lembranças das senhoras – mantas polares a distribuir logo na igreja para aquecer – são feitas na fábrica de confecção do noivo. «O dinheiro do vestido foi o que me custou mais a dar, quase dois mil euros, mas trouxe o pérola com dourados que melhor me assenta, a mim que sou magrinha e pálida», ri-se. O noivo ainda não tem fato (os homens pensam no objectivo mas desligam dos procedimentos), a igreja ainda não marcou definitivamente a data (o que está a atrasar os convites) e Mónica chegou a pensar que não iria poder fazer o casamento de sonho, mas afinal sim. «Vai ser exactamente o que nós queríamos», confirma.
Prestes a casar estão também Eneida Luís, administrativa, 37 anos, e Vítor Lopes, técnico de informática, 40, ambos a contar os dias que faltam para 11 de Setembro que escolheram para dar o passo pela segunda vez, desta feita um com o outro. Eneida e Vítor conheceram-se pela Internet quando se comunicaram a propósito de um jantar universitário, foram ao cinema na primeira saída (hábito que mantêm e servirá de tema ao casamento), apaixonaram-se e têm já em comum a vida partilhada, a casa e uma bebé de 18 meses que será a menina das alianças.
«O casamento é para nós um marco importante, mesmo sendo o segundo para ambos, mas por razões de poupança optámos por fazer a cerimónia civil num restaurante em Santarém. Fomos ver uma quinta e o orçamento que nos pediam era absurdo, de modo que nos decidimos antes por aquele espaço, os cem convidados e vamos ser nós a fazer as lembranças, o bouquet e a decoração dos talheres e do porta-alianças», adianta Eneida, que para já não conta com a ajuda financeira de ninguém, apenas se vale da experiência na sua própria empresa ligada a casamentos, a preparar encomendas de outras noivas. Vestido, comprou exactamente o que queria por 190 euros. O noivo também já tem o fato completo, de marca: entre calças, casaco, gravatão, camisa e colete, deu-se ao trabalho de procurar num outlet e ficou-lhe tudo por 208 euros. O cabelo de Eneida será penteado por uma amiga, a lua-de-mel ficará adiada para quando encontrarem uma boa promoção nas agências de viagens, para calçar naquele dia escolheu umas sandálias douradas que usará depois. «Na nossa empresa sou eu que faço os trabalhos personalizados, terei ainda mais gosto em fazer os nossos, sempre poupamos mais algum dinheiro.» E não sendo exactamente o que pretendiam porque têm outras prioridades, o casal sabe que vai ser especial.
Também a jornalista Ana Garcia Martins, fenómeno da blogosfera que assina A Pipoca Mais Doce e escreve sobre os desaires diários de uma mulher cosmopolita, escolheu casar-se no final de Setembro e queixa-se de a simples menção da palavra fazer disparar os preços. O vestido, por exemplo: «Experimentei dez modelos lindos na Rosa Clará, todos para cima de três mil euros, mas nenhum era assim “txaaaaran”, nenhum me fez pensar “tem de ser este e mais nada”. Por isso acabei por comprar outro igualmente giro, noutro sítio, e que custou pouco mais de metade. Ah, e tal, mas é preciso atentar na qualidade. Bom, só vou usar o vestido um dia, desconfio que um modelo de 1700 euros é capaz de aguentar sem se desfazer», observa. O mesmo se passou com o penteado: Ana pediu orçamento num cabeleireiro fancy de Lisboa e queriam levar-lhe 300 euros. «Quer dizer, se eu for lá cortar o cabelo e fizer umas caracoletas engraçadas num qualquer dia de semana, pago no máximo 50 euros. Ah, mas se é um casamento, então vamos aproveitar que a noiva está desgovernada, capaz de dizer que sim a qualquer coisa, e espetar-lhe com 300 euros em cima», indigna-se.
Foi essa a razão, já que teve de procurar para si mesma, que a levou a dedicar um dos últimos posts às suas boas amigas noivas: «Se procuram adereços para o cabelo e caixinhas ou sacos para enfiar os presentes dos convivas, recomendo-vos vivamente uma visita às lojas do Martim Moniz», sugere. Diz ela que «no meio de muita e valente pirosada, encontram-se coisas normais, sóbrias e até giras, a preços tão agradáveis que dá vontade de lhes dar beijinhos». É a economizar que os noivos se entendem.

Dicas para poupar

– Elabore uma lista com todas as coisas que gostava de ter, acrescentando os respectivos custos e prioridades.
– Na hora de servir, opte pelo buffet em vez das bandejas às mesas: não requer tantos empregados, logo é mais barato.
– No fim da refeição, substitua as sobremesas pelo bolo de noiva e sirva-o juntamente com o café, os digestivos e a mesa de queijos.
– Em vez de escolher bar aberto, limite a oferta a algumas variedades que sejam do agrado da maioria dos convidados, como vinho e cerveja.
– Decida a decoração em função das flores disponíveis todo o ano e misture pinhas e verduras no bouquet e nos centros de mesa: não perde elegância e poupa dinheiro. Opte ainda por velas, flores secas ou taças de vidro com água e pétalas a flutuar, em lugar de ter grandes ramos nas mesas.
– Use a imaginação e uma caligrafia bonita e faça em casa os convites, menus, mapas das mesas e afins. É válido pedir ajuda aos amigos mais habilidosos.
– Limite o número de convidados à família mais chegada, amigos íntimos e conhecidos de longa data. A escolha que fizer terá repercussões no catering, decorações e lembranças.
– Escolha casar-se em época baixa: a maioria dos fornecedores reduz os preços nesta altura e terá maior margem de manobra para negociar.
– Em vez de alugar uma limusina, use um carro pessoal ou peça emprestado.
– Parques, museus e jardins públicos podem sair mais baratos do que hotéis e quintas. Veja se existe algum que seja do seu agrado.
– Limite o horário de trabalho do fotógrafo e peça aos convidados para partilharem as fotos que tirarem ao longo da boda.


CAIXA 2:

Três perguntas a… Maria Cunha (autora de O Nosso Casamento)

Como surgiu a ideia de escrever o livro, após ter criado na net a página com o mesmo nome para partilha de ideias?
Sempre me deparei com pessoas que queriam casar e não tinham noção do que fazer e como fazer, não apenas na parte burocrática da questão mas da festa em si (cerimónia e recepção). O site surgiu instantaneamente como um espaço disponível para todos, onde se partilhasse ideias e idealizasse o casamento com a ajuda de quem sabe. No início passei muitas horas a responder pessoalmente a centenas de questões que surgiam diariamente, depois mais tarde surgiu o livro d’O Nosso Casamento, que pretende ser um manual intemporal que ajude os casais a preparar um dia de casamento à sua medida e de acordo com o seu sonho.

O casamento ainda é um mercado com muita leitura, mesmo quando se diz que a tradição já não é o que era?
As relações são fundadas no amor e acredito que haverá sempre vontade de celebrar o amor, seja de uma forma mais tradicional ou mais moderna. A tradição adapta-se à realidade e aos tempos de forma natural, e a frase «já não é o que era» deixa de fazer sentido quando se vê que o casamento é um acto adaptado a cada casal e que cada casamento é único à sua maneira. É esta a verdadeira tradição.

As modernices introduzidas nos casamentos recentes (como o eco-chique, por exemplo) são um sinal de que a instituição aprende continuamente a regenerar-se?
Nada se perde, tudo se transforma e o casamento não é excepção. Tudo aquilo que surge como novidade é prova disso. O que poderia antigamente ser considerado menos divertido e por vezes uma obrigação tornou-se numa forma de o casal exibir o seu amor de maneiras mais ou menos criativas, demonstrando a sua forma de estar na vida com pormenores decorativos, com formas mais especiais de receber e cuidar dos convidados, com a preocupação de incutir no casamento valores ecológicos. A imaginação ajuda, os limites são cada vez menores e quando os casais abraçam os detalhes as opções são incalculáveis.

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