O Carnaval de Bonga menino e o do maestro feito Júlio César

Estas são as memórias desta época festiva contadas por aqueles que, entre hoje e terça-feira, a celebram em palco
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"Se quer que lhe diga, depois dessa data nunca mais voltei a festejar o Carnaval a sério", diz Bonga. A data é aquela em que veio para Portugal. Foi há mais de 50 anos, ele tinha 23. O Carnaval aqui nada tinha que ver com aquele que ele trazia de Angola e que (já é quase tradição) leva amanhã às 22.30 ao palco do B.Leza, em Lisboa. A sua memória traz-nos aquele país "colonizado por uma força exterior". A manifestação do que eles, angolanos, eram tornou-se por isso, conta, "a coisa mais importante que existiu ao longo dos meus primeiros 23 anos de vida. A recordação só pode ser mesmo boa: era ir para a rua. Em Luanda especialmente era um Carnaval reivindicativo, que celebrava tudo quanto a gente sofria no decorrer do ano. A gente chegava ao carnaval e expunha tudo aquilo na dança, com máscaras e cartazes."

Ele era miúdo e desfilava. "Havia um desfile, mas depois cada grupo carnavalesco ia para o seu bairro específico, os musseques. Eram três dias. Cada grupo recreativo tinha o seu rei e a sua rainha, a sua coreografia, as suas máscaras, e sobretudo a sua vestimenta. Cuidado: um grupo não podia ter a mesma vestimenta que outro." No carnaval angolano criticava-se "o governador-geral de Angola, o policiamento, a repressão, o racismo...".

Bonga lembra que "máscaras e cartazes retratavam de um lado as boas pessoas - e aí a música tinha de ser em conformidade -,e do outro as más pessoas, e que não eram forçosamente colonos, alguns eram os próprios pretos que prendiam os pretos, e os informadores a que chamávamos "bufos"."

E amanhã?, perguntamos. "Vou estar lá a cantar, a fazer a festa e recordando aqueles temas do antigamente que se cantavam, e as pessoas davam as mãos umas com as outras, iam mascaradas. As pessoas vão ficar com a lágrima no canto do olho [como ele mesmo canta em Olhos Molhados]..."

Gonçalo Tocha era o miúdo "muito reservado e tímido" por entre a turma da escola mascarada. O realizador e músico atua amanhã, véspera de Carnaval, às 22.00, na pele da sua persona Gonçalo Gonçalves, o cantor romântico que partilhará o palco com o colega de género Marante naquela que será a última noite do Lusitano Clube, em Alfama, depois de 111 anos de existência. Tocha recorda o Carnaval mais vivo na sua memória. "Eu vivia em Sacavém, não íamos muito a Lisboa. Fomos num Carnaval da escola ao cinema Império. Era um filme de piratas e estavam muitas escolas juntas: mil e tal crianças."

Outra ocasião que lembra, já estudava na faculdade, foi num baile de Carnaval em Elvas. "Estava tudo mascarado e a dançar. Há muitos ciganos lá, então era uma mistura de ciganos e caucasianos, todos a bailar. Foi espetacular", lança o realizador de É na Terra não é na Lua. Diz que Gonçalo Gonçalves não é uma máscara. Fala dele como alguém que não é ele e "que está de passagem".

As primeiras memórias de carnaval de Teresa Ricou vêm de muito antes de ela descobrir em si Teté, a mulher-palhaço, ou de se tornar na fundadora do Chapitô, que na terça-feira comemora a data com Os anjos a voar e o Chapitô a bailar: a partir das 20.30 há café concerto seguido de baile na tenda do Chapitô. Aos jovens da escola, que apresentarão os seus números, junta-se a trupe sénior do Chapitô. Quanto à música, terá tanto de carnaval como de Zeca Afonso, para o recordar nos 30 anos da sua morte.

"O que me lembro é sobretudo do carnaval no Porto. Quando vinha com os meus sete irmãos e os meus pais de Angola. Era um carnaval muito divertido." Lembra ainda a alegria do Carnaval angolano. "Era uma coisa mais virada para a dança, para a música", conta. Ela, que saiu aos 16 anos de casa e foi conhecer a restante Europa, recorda depois o carnaval passado em Paris, numa comunidade de exilados. "Havia muitos brasileiros. Era um carnaval euro brasileiro."

O maestro Jan Wierzba conduzirá hoje às 18.00 a Orquestra Sinfónica do Porto no tradicional Concerto de Carnaval da Casa da Música, no Porto, em que orquestra e público estão habitualmente mascarados. Para ele, polaco que aos quatro anos se mudou para Portugal, tal não será problema. "Gosto muito do carnaval", diz aquele que em pequeno se mascarou de jogador do Futebol Clube do Porto e de Tartaruga Ninja. "A máscara que sempre funcionou mais para mim é a de Júlio César", conta. Por "duas ou três vezes" se mascarou do imperador romano, usando "lençóis ou cortinados vermelhos como capa" e uma coroa de louro.

Entre o reportório do "divertido" concerto de hoje, adianta, estará A Grande, Grande Abertura, de Malcolm Arnold, que "tem a especificidade de ser escrita para um leque de solistas bastante pouco comum: três aspiradores, um polidor de chão e caçadeiras."

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