O carismático cardeal ganês responsável pelo novo superministério do Vaticano
Era um dos favoritos para ter sucedido a Bento XVI e, na lista dos papáveis, aparecia muito mais vezes referenciado do que o argentino Jorge Bergoglio. Peter Turkson, o primeiro cardeal ganês de sempre, foi o escolhido por Francisco para liderar o novo Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, um superministério do Vaticano, que iniciou funções a 1 de janeiro.
Filho de pai carpinteiro e católico e de mãe metodista e vendedeira num mercado local, Turkson nasceu em 1948 e cresceu em Nsuta-Wassaw, uma região mineira no Gana. Durante a adolescência chegou a fazer parte de uma banda de música funk e afrobeat.
Nos anos 70, a carreira académica levou-o até Nova Iorque. Foi aí que concluiu o mestrado em Teologia, no seminário de Saint Anthony-on-Hudson. Durante esse período, para subsistir, "trabalhou nas limpezas e esteve quase a ser preso por agentes da polícia que não acreditavam que era suposto ele estar dentro de um banco durante a noite", conta a revista The New Yorker.
Em 1975 foi ordenado padre na arquidiocese ganesa de Cape Coast, ascendendo a bispo em 1993. Dez anos volvidos, no consistório de outubro de 2003, pela mão de um João Paulo II já na reta final do pontificado, foi criado cardeal.
No conclave de 2013, depois da renúncia de Bento XVI, chegou a dizer-se que a Igreja estaria na iminência de viver o seu momento Obama. Não apenas pela cor da pele. Peter Turkson é reconhecido pela capacidade oratória e pelo carisma. "Nós, ganeses, adoramo-lo. É o nosso primeiro cardeal e tem mostrado que é um verdadeiro líder, trilhando novos caminhos para a Igreja", dizia ao The Guardian, há quatro anos, o arcebispo de Acra, Gabriel Charles Palmer-Buckle, amigo de Turkson desde os tempos de escola.
"É muito humilde. E brilhante na forma de comunicar as escrituras. Muitas vezes recorre a anedotas e ao humor para fazer passar as mensagens. Tem esse toque humano", sublinhava o reverendo Stephen Domelevo, do gabinete de comunicação da Igreja ganesa, em declarações ao mesmo diário britânico. Além do seu fante natal e de outras línguas locais, Turkson fala inglês, francês, italiano, alemão e hebraico. E compreende o grego e o latim.
Em junho de 2015, depois de Francisco publicar a encíclica Laudato Si, cujo tema central é a ecologia, Turkson andou a correr mundo e a fazer eco da mensagem do Papa. Em dezembro desse ano, durante a COP21, uma conferência da ONU sobre alterações climáticas realizada em Paris, Turkson foi claro nos recados que deixou aos líderes mundiais: "Em lugar de sermos cuidadosos com a nossa casa comum, temos sido desleixados. As escolhas políticas e económicas têm-se caracterizado quase sempre pelas vistas curtas e pelo egoísmo. Em resultado, o clamor dos pobres e dos desesperados junta-se agora aos lamentos que vêm da terra. Para onde podem ir aqueles cujas vidas foram arrastadas pelas cheias ou reduzidas a pó pelas secas"?
Reforma da Cúria
O novo dicastério que será liderado pelo cardeal ganês resulta da fusão de quatro conselhos pontifícios: Justiça e Paz, Pastoral na Saúde, Pastoral dos Migrantes e Cor Unum. O papa anunciou a sua criação em agosto, sublinhando que as instituições da Igreja devem ser "continuamente adaptadas" para "melhor responderem às necessidades dos homens e das mulheres que devem servir". Segundo Bergoglio, o novo organismo irá ocupar-se dos assuntos relacionados com os "migrantes, os necessitados, os excluídos e marginalizados, os doentes, os presos e os desempregados e ainda as vítimas dos conflitos armados, desastres naturais e de todas as formas de escravatura e tortura". O Papa tratará pessoalmente dos assuntos relacionados com os refugiados.
Para Turkson, o novo organismo é mais do que uma fusão de departamentos: "Não se trata apenas de juntar quatro pontifícios. Trata-se de um convite do Santo Padre para conceptualizar a missão da Igreja", disse o cardeal em dezembro, numa entrevista ao National Catholic Register, jornal católico dos EUA. No passado, os doentes e os migrantes eram arrumados em categorias pastorais diferentes. Agora, nas palavras de Turkson, a ideia é partir do ser humano e olhar depois para os motivos que levaram à sua fragilização.
"Era uma alteração esperada, tendo em conta que o Papa anunciou a necessidade de rever a estrutura da Cúria Romana durante o seu pontificado", explica ao DN o teólogo Tolentino Mendonça. "Mas acaba por ser um dicastério especialmente emblemático porque agrega várias linhas de ação da Igreja no campo social. Desta forma o Papa Francisco mostra que a dimensão social está no âmago da reforma que pretende para a Igreja. É um espécie de emblema da sua orientação", acrescenta o vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa. A escolha do cardeal ganês para ocupar o cargo também mostra, na opinião de Tolentino Mendonça, que Francisco está empenhado em tornar este dicastério em algo central. "É uma figura carismática, com grande autoridade moral no Vaticano e que há muito trabalha as questões relacionadas com os Direitos Humanos", resume o teólogo.
Apesar de ser hoje um dos homens mais destacados nos corredores do Vaticano, Peter Turkson já teve os seus maus momentos. Choveram críticas sobre o seu nome quando, em 2012, num encontro internacional de bispos, fez questão de mostrar um vídeo do YouTube que muitos viram como alarmista e anti-Islão. Intitulado Demografia Muçulmana, no vídeo vaticinava-se, por exemplo, que "dentro de 39 anos França será uma república islâmica".
Conta o The Guardian que o cardeal pediu perdão e garantiu que queria apenas chamar a atenção para a crise demográfica do Ocidente que, no seu entender, é, em larga medida, consequência de uma tendência para seguir políticas anti-vida.