O cânone da castidade e do celibato do século terceiro até ao XXI

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A exigência de castidade e celibato nos sacerdotes da Igreja Católica tem uma origem conturbada e justificações pouco claras. Nada nas escrituras permite afirmar que Jesus ou João Baptista pudessem ser casados, mas é certo que o apóstolo Pedro o era (facto comprovado apenas por uma referência à sua sogra) e outros apóstolos podiam sê-lo (por referências a mulheres que os acompanhavam). Por outro lado, nas epístolas de S. Paulo, a virgindade, o celibato e a continência são apresentados como ideais cristãos.

Se a tradição da continência e mesmo do celibato pode ter existido desde cedo entre os sacerdotes católicos, a inversa também é verdadeira: não só houve, desde o início do cristianismo e mesmo já na Igreja, padres e bispos e até papas casados e/ou com filhos, como houve papas pais de papas (no século sexto). Tanto assim era que no Concílio de Elvira (Espanha), no ano 305, 19 bispos espanhóis decretaram 81 normas, entre as quais o cânone 33, que proíbe bispos, padres e diáconos e "todos os clérigos ao serviço do ministério de ter relações com as suas mulheres e procriar; se alguém o fizer, será excluído da honra do clero". Ou seja: admitia-se que os clérigos podiam ser casados, mas que deviam, no seio do casamento, abster-se de relações sexuais.

E se no concílio de Niceia, em 325, os clérigos foram proibidos de coabitar com outras mulheres que não as mães, tias e irmãs, só muitos séculos depois, em 1139, no Segundo Concílio de Latrão (Roma), os cânones 6 e 7 proibiram todos os clérigos de casar e os fiéis de assistir a missas de sacerdotes que se soubesse serem casados ou viver em concubinato.

No Concílio de Trento, o assunto voltou a ser discutido sob fortes pressões dos católicos alemães (incluindo o Imperador da Prússia) que, na ressaca da Reforma, queriam ver "a lei do celibato" abolida. Os papas Pio IV e V, porém, mantiveram a proibição. O Código Canónico de 1918 declarava sacrilégio o casamento e qualquer falha na castidade do clérigos.

No Concílio Vaticano II, apesar de alguns bispos advogarem a revogação ou modificação da norma, o papa Paulo VI obstaculizou a discussão e o Código Canónico actual, de 1983, mantém no cânone 277 a interdição do casamento e a obrigação da castidade, embora sem a menção de sacrilégio: "Os clérigos estão obrigados a observar uma continência perfeita e perpétua pelo Reino dos céus e, portanto, estão obrigados ao celibato, que é dom peculiar de Deus mediante o qual os ministros sagrados podem unir-se mais facilmente a Cristo de coração inteiro e dedicar-se com maior liberdade ao serviço de Deus e dos homens."

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