O caminho marítimo da Índia

Publicado a
Atualizado a

Dos três grandes oceanos há um que é diferente, e não estou a referir-me ao facto de não ir de polo a polo. Sim, o Índico é diferente, porque, se o Atlântico deve o nome a um velho mito grego e o Pacífico foi batizado por Fernão de Magalhães num dia de calmaria, ele homenageia um país. Em português isso não é tão óbvio porque usamos o nome latino, mas em inglês ou francês é evidente que se trata do oceano Indiano.

Tremenda responsabilidade, pois, a de a Índia ter de manter uma marinha à altura de um oceano que lhe deve o batismo. Nesta semana esteve ancorada no Tejo uma fragata da chamada frota ocidental, baseada em Bombaim. O Tarkash, fabricado num estaleiro russo, está ao serviço desde 2012 e é um dos orgulhos da marinha indiana. Entre as muitas missões em que participou destaca-se a retirada em 2015 de cidadãos indianos e outros países da Ásia do Sul do Iémen em guerra civil. Também já patrulhou as águas junto ao Corno de África para garantir que os piratas somalis não sequestram mais cargueiros.

Foi interessante visitar um navio indiano no Tejo, o mesmo rio que viu Vasco da Gama partir rumo à Índia. O caminho marítimo que os portugueses então descobriram já nem é o mais usado, nem num sentido nem noutro, pois o canal do Suez permite poupar muitos quilómetros (ou muitas milhas náuticas se formos puristas). E já só os amantes de livros de história saberão que no século XVI o Índico era um oceano onde mandavam as naus portuguesas. Ainda há no Bahrein, hoje base da Quinta Esquadra americana, uma fortaleza portuguesa a relembrar esse poderio antigo que foi construído sobretudo por Afonso de Albuquerque.

Se ninguém duvida que a marinha americana, com a sua dezena de porta-aviões, manda nos vários oceanos, também só os mais distraídos não terão notado como a China investe forte em navios. Há semanas mostrou o segundo porta-aviões, o primeiro construído nos estaleiros nacionais. E não é só no Pacífico que os chineses têm ambições, também as exibem no Índico. Facilidades no Sri Lanka e no Paquistão, base no Djibuti e não deverão ficar-se por aí. Há demasiado em jogo nestes mares e não apenas a proteção das rotas dos petroleiros vindos do Médio Oriente.

A revista americana National Interest publicou um artigo sobre as grandes marinhas em 2030. Claro que a americana ainda dominará e que a chinesa mostrará mais força do que a atual. Mas a indiana era apontada como cada vez mais poderosa, a ponto de ambicionar ter três porta-aviões em vez do único que possui em 2017, o Vikramaditya. É certo que quem governa a Índia já percebeu que não basta a um país dar nome a um oceano, convém também ter os meios para não o deixar ser um lago de outros, como aconteceu no passado.

São hoje excelentes as relações entre Portugal e a Índia e foi possível ver no convés do Tarkash convidados e marinheiros indianos a conversar, talvez sobre a beleza do Tejo. E sinal de como os tempos mudaram, e ainda bem, nem Vasco da Gama é uma memória problemática para os indianos de hoje nem aos portugueses parece incomodar que o batismo de guerra da moderna marinha indiana tenha sido em Goa, em 1961. Foi um conflito breve, que pôs fim à colonização portuguesa e que viu as forças superiores indianas derrotar uma heroica fragata portuguesa: chamava-se ela Afonso de Albuquerque.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt