O camaleónico líder xiita que inspira os protestos em Bagdad

Moqtada al-Sadr combateu tudo e todos: tropas norte-americanas, sunitas e outras fações xiitas. Hoje luta contra a corrupção e pretende um governo de tecnocratas
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Em tempos liderou uma milícia religiosa que pelejava pelo estabelecimento de um regime islâmico. Hoje veste a pele de um reformista que luta por um governo de tecnocratas, sem olhar a credos ou religiões. Pragmático ou oportunista, o clérigo xiita Moqtada al-Sadr é atualmente uma das figuras mais adoradas e controversas no Iraque.

Nas últimas semanas, as ruas de Bagdad têm sido palco de veementes manifestações contra o governo do também xiita Haider al-Abadi, que ocupa o cargo de primeiro-ministro desde 2014.

O descontentamento popular deve-se essencialmente à crise económica e às más condições de vida da maioria da população. Tudo agravado pelas evidências de corrupção no seio da classe dirigente.

Como líder desta insatisfação popular e organizador dos protestos emerge a figura de Moqtada al-Sadr. No final de abril os manifestantes invadiram a Zona Verde - o bairro onde se situa o Parlamento e a embaixada dos EUA -, reclamando um governo totalmente composto por tecnocratas independentes como forma de travar a corrupção.

Para a passada sexta-feira estava marcada outra manifestação em frente ao Parlamento, mas o reforço da segurança nas ruas da capital fez abortar os planos. O objetivo era mais uma vez pressionar o primeiro-ministro a concretizar a remodelação governamental há muito prometida. Um porta-voz do Movimento Sadrista, a força política liderada por Moqtada al-Sadr, garantiu que o próximo protesto em massa acontecerá na próxima terça-feira.

A metamorfose

Nascido a 12 de agosto de 1973, na cidade sagrada de Najaf, Moqtada estava prestes a completar 6 anos quando Saddam Hussein ascendeu ao poder, em julho de 1979. O regime do ditador, apoiado por forças sunitas, revelou-se negro para a família Sadr, com o assassínio do seu pai, o ayatollah Muhammad Sadiq al-Sadr, importante e reverenciado líder xiita, em 1999.

Foi em 2003, com a invasão do país pelos EUA, que Moqtada se tornou uma figura proeminente da política iraquiana. Nessa altura formou o Exército de Mehdi, uma milícia que combateu as forças norte- -americanas, os sunitas da Al-Qaeda e também outras fações xiitas. O político pragmático, que hoje defende um governo de tecnocratas, era, nesse tempo, um fervoroso combatente.

O lado belicoso e mortífero de Moqtada manifestou-se ainda mais durante os anos de 2006 e 2007, com a explosão da violência sectária no seio do conflito iraquiano. Depois do sangrento ataque no bairro de Sadr - um subúrbio de Bagdad, que antes se chamava bairro de Saddam e que foi rebatizado em memória do falecido pai de Moqtada -, que se saldou em mais de 200 vítimas, as milícias xiitas responderam queimando pessoas e incendiando mesquitas sunitas.

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Em 2008, porém, Moqtada al-Sadr aceitou baixar as armas, dissolveu o Exército de Mehdi e partiu para o Irão para aprofundar os estudos religiosos. Só regressaria ao Iraque em 2011, já na pele de um moderado, a favor do diálogo entre diferentes fações, defendendo a soberania do país contra influências externas - sejam elas norte-americanas ou iranianas -, discursando contra a corrupção, pugnando por um executivo de tecnocratas e agitando bandeiras pelos direitos das classes mais desfavorecidas.

O seu Exército de Mehdi, reconvertido em Saraya al-Salam - ou Brigadas da Paz -, é hoje um dos braços armados do governo na luta contra o Estado Islâmico.

Líder do Movimento Sadrista, que nas legislativas de 2010 fez parte da coligação Aliança Nacional Iraquiana, Moqtada garante estar ao lado do primeiro-ministro xiita Nouri al--Maliki, mas exige que o executivo se transforme numa equipa de tecnocratas. Menos óbvias são as suas relações com o Irão. Há quem o veja como o elo de ligação com o país vizinho, mas isso não impediu os seus apoiantes, quando invadiram a Zona Verde e o Parlamento, de gritarem slogans anti-Irão. Não é fácil perceber quantas peles tem o camaleão Moqtada e muito menos saber qual será a próxima que irá vestir.

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